quarta-feira, 30 de novembro de 2011

HISTORIADOR DESAFIA NARNEY A TESTAR 'IMAGEM' NAS RUAS

Disponível em: http://www.jornalpequeno.com.br/2011/11/29/historiador-desafia-sarney-a-testar-imagem-nas-ruas-178602.htm
Acesso em 30 de novembro de 2011

29 de novembro de 2011 às 17:10
O historiador Marco Antonio Villa, em artigo incisivo publicado hoje (29) no jornal O Globo, traça um perfil sem maquiagem do presidente do Senado, José Sarney, e o desafia a testar sua imagem caminhando sozinho pelas ruas das principais cidades do Brasil. Leia o artigo:


A face do poder: um retrato de Sarney
MARCO ANTONIO VILLA*


José Ribamar Ferreira de Araújo Costa é a mais perfeita tradução do oligarca brasileiro. Começou jovem na política, conduzido pelo pai. Aos 35 anos resolveu mudar de nome. Tinha acabado de ser eleito governador do seu estado. Foi rebatizado por desejo próprio. Alterou tudo: até o sobrenome. Virou, da noite para o dia, José Sarnei Costa. O Costa logo foi esquecido e o Sarnei, já nos anos 80, ganhou um "y" no lugar do "i". Dava um ar de certa nobreza.
Na história republicana, não há personagem que se aproxime do seu perfil. Muitos tiveram poder. Pinheiro Machado, na I República, durante uma década, foi considerado o fazedor de presidentes. Contudo, tinha restrita influência na política do seu estado, o Rio Grande do Sul. E não teve na administração federal ministros da sua cota pessoal. Durante o populismo, as grandes lideranças lutavam para deter o Poder Executivo. Os mais conhecidos (Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola, entre outros), mesmo quando eleitos para o Congresso Nacional, pouco se interessavam pela rotina legislativa. Assim como não exigiram ministérios, nem a nomeação de parentes e apaniguados.
Mas com José Ribamar Costa, hoje conhecido como José Sarney, tudo foi – e é – muito diferente. Usou o poder central para apresar o "seu" Maranhão. E o fez desde os anos 1960. Apoiou o golpe de 1964, mesmo tendo apoiado até a última hora o presidente deposto. Em 1965, foi eleito governador e, em 1970, escolhido senador. Durante o regime militar priorizou seus interesses paroquiais. Nunca se manifestou contra as graves violações aos direitos humanos, assim como sobre a implacável censura.
Foi um senador "do sim". Obediente, servil. Presidiu o PDS e lutou contra as diretas já. No dia seguinte à derrota da Emenda Dante de Oliveira – basta consultar os jornais da época – enviou um telegrama de felicitações ao deputado Paulo Maluf – que articulava sua candidatura à sucessão do general Figueiredo – saudando o fracasso do restabelecimento das eleições diretas para presidente. Meses depois, foi imposto pela Frente Liberal como o candidato a vice-presidente na chapa da Aliança Democrática. Tancredo Neves recebeu com desagrado a indicação. Lembrava que, em 1983, em fevereiro, quando se despediu do Senado para assumir o governo de Minas Gerais, no pronunciamento que fez naquela Casa, o único senador que o criticou foi justamente Ribamar Costa. Mas teve de engolir a imposição, pois sem os votos dos dissidentes não teria condições de vencer no Colégio Eleitoral.
Em abril de 1985, o destino pregou mais uma das suas peças: Tancredo morreu. A Presidência caiu no colo de Ribamar Costa. Foram cinco longos anos. Conduziu pessimamente a transição. Teve medo de enfrentar as mazelas do regime militar – também pudera: era parte daquele passado. Rompeu o acordo de permanecer 4 anos na Presidência. Coagiu – com a entrega de centenas de concessões de emissoras de rádio e televisão – os constituintes para obter mais um ano de mandato. Implantou três planos de estabilização: todos fracassados. Desorganizou a economia do país. Entregou o governo com uma inflação mensal (é mensal mesmo, leitor), em março de 1990, de 84%. Em 1989, a inflação anual foi de 1.782%. Isso mesmo: 1.782%!
A impopularidade do presidente tinha alcançado tal patamar que nenhum dos candidatos na eleição de 1989 – e foram 22 – quis ter o seu apoio. O esporte nacional era atacar Ribamar Costa. Temendo eventuais processos, buscou a imunidade parlamentar. Candidatou-se ao Senado. Mas tinha um problema: pelo Maranhão dificilmente seria eleito. Acabou escolhendo um estado recém-criado: o Amapá. Lá, eram 3 vagas em jogo – no Maranhão, era somente uma. Não tinha qualquer ligação com o novo estado. Era puro oportunismo. Rasgou a lei que determina que o representante estadual no Senado tenha residência no estado. Todo mundo sabe que ele mora em São Luís e não em Macapá. E dá para contar nos dedos de uma das mãos suas visitas ao estado que "representa". O endereço do registro da candidatura é fictício? É um caso de falsidade ideológica? Por que será que o TRE do Amapá não abre uma sindicância (um processo ou algo que o valha) sobre o "domicílio eleitoral" do senador?
Espertamente, desde 2002, estabeleceu estreita aliança com Lula. Nunca teve tanto poder. Passou a mandar mais do que na época que foi presidente. Chegou até a anular a eleição do seu adversário (Jackson Lago) para o governo do Maranhão. Indicou ministros, pressionou funcionários, fez o que quis. Recentemente, elegeu-se duas vezes para a presidência do Senado. Suas gestões foram marcadas por acusações de corrupção, filhotismo e empreguismo desenfreado. Ficaram famosos os atos secretos, repletos de imoralidade administrativa.
O mais fantástico é que em meio século de vida pública não é possível identificar uma realização, uma importante ação, nada, absolutamente nada. O seu grande "feito" foi ter transformado o Maranhão no estado mais pobre do país. Os indicadores sociais são péssimos. Os municípios lideram a lista dos piores IDHs do Brasil. Esta é a verdadeira face do poder de Ribamar Costa. Como em uma ópera-bufa, agora resolveu maquiar a sua imagem. Patrocinou, com dinheiro público, uma pesquisa para saber como anda seu prestígio político. Não, senador. Faça outra pesquisa, muito mais barata. Caminhe sozinho, sem os seus truculentos guarda-costas, por uma rua central do Rio de Janeiro, São Paulo ou Brasília. E verá como anda sua popularidade. Tem coragem?

(Publicado em 29.11.2011, em O Globo)

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DA FILOSOFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL


este trabalho foi apresentado na ocasião do 
XI Encontro Humanístico da UFMA
                                                                                                   FÁBIO COIMBRA
Instituição: Universidade Federal do Maranhão
Titulação: Graduando
Endereço: Rua São Pantaleão, 168, centro, São Luís-Ma
Telefone: (98) 32316666 – (98) 81477904
E-mail: antaresf84@yahoo.com.br


RESUMO

O presente trabalho tem como pretensão fazer uma reflexão sobre a prática da docência no que diz respeito ao ensino da filosofia no ensino fundamental. A base sobre a qual esta pesquisa se erigirá será o pensamento do educador Marcos Antônio Lorieri que defende o ensino da filosofia como uma necessidade do ensino fundamental. Nesse sentido, buscar-se-á demonstrar que uma das preocupações desse autor consiste no fato de que se deve está atento para não retardar a iniciação das crianças e jovens no ensino da filosofia. Isso, entretanto, constitui apenas um aspecto parcial de outra preocupação mais ampla que incide em não deixar escapar o momento essencial ao exercício do filosofar, no qual crianças e jovens interrogam e levantam questionamentos de natureza diversa. Procurar-se-á demonstra que o trabalho com a filosofia nesse nível de ensino aparece, portanto, como uma necessidade, ou – diga-se de passagem – uma oportunidade propícia para responder as questões feitas pelas crianças e jovens, uma vez que elas têm o direito às respectivas respostas. Esse momento, certamente, pode ser entendido como um estágio inicial do processo de aprendizagem, onde deve se explorar ao máximo a reflexão do aluno, instigar-lhe à argumentação, levá-lo a fazer a crítica, dentre outros.


Palavras-chaves: Ensino – Filosofia – Ensino fundamental – Crianças – Adolescentes.


1.    INTRODUÇÃO


O trabalho a ser desenvolvido aborda como eixo temático a reflexão sobre o ensino da Filosofia no Fundamental. Este trabalho não tem como proposta, exaurir todos os temas referentes a essa disciplina nesse nível de ensino, haja vista, a complexidade e extensão do assunto. O que se busca aqui é demonstra que a filosofia, sem sombra de duvida, está apita a contribuir relevantemente para a construção, ou – diga-se de passagem – o progresso, de uma educação mais sólida e eficaz, e que tome como ponto de partida as bases a fim de atingir o ápice. Essas bases aqui referidas dizem respeito aos segmentos educacionais que vão do 1º (primeiro) ao 4º (quarto) ano, e do 5º (quinto) ao 9º (nono), respectivamente. O ápice seria, então, os mais elevados patamares a que a educação pudesse abiscoitar.
Como fonte principal, tem-se o livro cujo título lê-se: Filosofia no ensino fundamental, sob autoria de Marcos Antônio Lorieri. No que tange à construção do conhecimento, a pesquisa objetiva demonstrar que essa não se dá por uma única via, mas por caminhos diversos, sob óticas, ou pontos de vista diferentes. Como cada ponto de vista nada mais é senão a vista a partir de um determinado ponto, a filosofia, nesse sentido, é uma dessas vias pelas quais o conhecimento se constrói de forma crítica, rigorosa, investigativa, reflexiva, sistemática e abrangente, conforme refere o autor aqui explorado.
Sobre a metodologia, a pesquisa – ancorada em Lorieri – vai demonstrar que a filosofia tem uma maneira própria de trabalho que lhe distingue das demais disciplinas, e que as respostas, ou possíveis soluções encontradas, nunca se fecham em si mesmas, mas mantém -se abertas. Ou seja, a filosofia não isola respostas, isto é, nunca concebe essas como prontas e, portanto, acabadas. Desse modo, abre caminhos para a linearidade do pensamento e das atinentes investigações. 


2.    A FILOSOFIA COMO NECESSIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL


Discorrer sobre o ensino da filosofia no Ensino Fundamental é – sem sombra de duvida – falar sobre uma necessidade que se impõe sobre a própria realidade do ensino básico, como no todo, que é a necessidade da formação humana que construa cidadãos e que erija valores. Nesse sentido, sugerir a filosofia como um processo, ou algo similar, apto a contribui tanto quanto for possível para o alcance dessa prerrogativa significa, antes de tudo, visualizar nela aquele potencial primeiro, em virtude da qual ela si nos apresenta como necessária e não meramente contingente. Igualmente necessário, é fazer a ressalva de que – embora a filosofia possua a capacidade de transformar – mesmo assim, ela não é suficiente para esgotar todos os problemas que se apresentam dada a evolução gradativa da sociedade, compreendendo-se aqui por evolução os processos ou quaisquer outros meios possíveis pelos quais uma sociedade ou um povo se desenvolve para atingir estágios ou patamares cada vez mais elevados.
Cumpre ressaltar que a filosofia não tem, e nem deve ter, a pretensão de resolver os problemas do mundo, ou dos seres em particular. O que ela quer sim é despertar nesses mesmos seres a consciência adormecida que – desse modo – lhes impede de ver o real tal qual ele é. A filosofia, nessa perspectiva, é, portanto, aquela atitude de incômodo que os indivíduos costumam ter, dada a sua não aceitação de tudo aquilo que lhes são impostos pelo mundo, ou pela elite dominante que age manipulando e submetendo, tudo quanto for possível, aos seus desígnios.
Como é, de fato, sabido uma sociedade melhor se faz com cidadãos educados. Nesse contexto, é preciso admitir que a educação vem alume como sendo um dos pilares centrais sobre os quais se erige uma boa sociedade. Enquanto mais cedo esse processo for iniciado, melhores serão os resultados e menos dificultoso será o desenrolar do processo. Nessas circunstancias, os segmentos educacionais do 1º ao 4º ano e do 5º ao 9º ano que, no todo, compreende o ensino fundamental, aparece como um espaço eficaz e propicio ao desenvolvimento – no educando – daquelas faculdades cognitivas, por meio das quais ele possa ser introduzido, no espírito da ciência e da investigação filosófica, dada a sua pré-disposição natural para os questionamentos, ou interrogações – combustíveis essenciais que, se bem aproveitados, levam os educandos a exploração do universo da ciência, ou conhecimento propriamente dito.
Partindo do principio de que a aquisição do conhecimento não se dá por via única, mas por caminhos diversificados, logo, é preciso reconhecer a filosofia como uma dessas vias de acesso ao conhecimento, tendo como primazia primordial as interrogações feitas a cerca das coisas. Nesse sentido, Lorieri refere que ela (a filosofia) “é uma das formas de saber e de conhecimento que os seres humanos produzem para explicar a realidade da qual fazem parte e a si mesmos, nessa realidade”.[1] Ou seja, ao contrário do que muitas pessoas pensam sobre a filosofia, o autor objetiva mostrar que ela tem uma utilidade prática, sobretudo pelo fato dela não ser algo imposto sobre o homem, mas uma maneira ou um modo de conhecer específico que deixa o homem a par de tudo o que lhe circunda.
Por meio da busca do conhecimento da realidade, em um primeiro momento, para em um segundo momento, fazer a explicação daquilo que foi conhecido, é que a filosofia se distingue das demais formas de conhecimento, como por exemplo, o próprio senso comum.


Talvez, possamos dizer que a filosofia é diferente das demais formas de conhecimento, porque ela trabalha principalmente e prioritariamente sobre certas questões, utilizando uma maneira própria de abordá-las, tendo em vista produção de respostas que nunca se fecham, porque são continuamente questionadas.[2]


Essa diferenciação que aqui se observa é constituída, então, em vista da maneira própria que a filosofia tem de fazer abordagens diversas. Um aspecto importante a ser assinalado diz respeito ao fato de que o produto dessas abordagens, qual seja, a resposta, ou a pluralidade dessas, não se fecham em si mesmas. Percebe-se, desse modo, que no palco das transformações e manifestações de fenômenos de natureza diversa, a saber, o espaço-tempo, em outros termos, o mundo, não há um isolamento das respostas às questões suscitadas, mas sim uma linearidade das mesmas. O que há, pelo contrário, é uma abertura delas para possíveis modificações cabíveis. Essa abertura das respostas encontradas, de algum modo, significa que a filosofia não tem como proposta exaurir os diversos ramos de obtenção do conhecimento, tornando-se, desse modo, fonte única dos mesmos, todavia, expressa o seu anseio em dialogar com as demais ciências. A filosofia não almeja, em hipótese alguma, a existência parasitária num mundo em constante transformação onde tudo se modifica e nada permanece. Entretanto, ela orienta para os diversos cuidados que o individuo deve tomar frente às ambições e interesses particulares que se lhe aparece a todo instante.
Em contrapartida, no que diz respeito ao fato da filosofia ser uma forma de conhecimento diferente das demais, Lorieri postula que


Talvez possamos dizer que a filosofia é igual às outras formas de conhecimento, porque ela é um conjunto de procedimentos da consciência humana que, ordenados de certa forma, procuram produzir respostas, o mais garantidas possíveis, para questões com as quais os seres humanos se deparam em suas vidas, ou para questões que eles se fazem quando se põem a pensar mais atentamente. [3]


Fica subentendido, portanto, que a filosofia é um processo através do qual, conscientemente, se busca formular respostas para questões diversas. Como toda resposta suscita novas questões que instigam a novas respostas, num processo dialético, torna-se necessário, por via de regra, a capacidade básica de uma boa argumentação, capaz não somente de estetizar os discursos, mas, sobretudo, de dirimir as ambigüidades que podem deturpar o conhecimento e, desse modo, dissimular o real. Por suas grandezas, diversas respostas encontradas acabam por se converterem em arquétipos de conduta em determinadas sociedade, no seio das quais elas são produzidas. Entretanto, Lorieri refere que “elas ‘as respostas’, tornam-se princípios orientadores, ou referencias, ligadas, sempre a determinados interesses que podem não ser os de todos”.[4] Daí o cuidado que se deve ter, sobretudo, para distinguir entre o real e o irreal. É justamente nesse aspecto que a filosofia se torna uma necessidade, dado o seu caráter crítico, bem como a sua capacidade de transcender as coisas no aspecto daquilo que elas aparentam ser. Transcender a aparencia significa justamente migrar para o real; é conhecer a coisa tal qual ela é, tal como ela não se apresenta. “A esse movimento desafiador e instigador chamamos de investigação filosófica” [5].
Outro aspecto relevante que diferencia a filosofia das outras formas de saber, diz respeito à sua procedência metodológica, onde se observa todo um rigor nas análises e investigações. Nesse sentido, o autor refere que [...] fazer filosofia é realizar um processo investigativo reflexivo que seja crítico, rigoroso, profundo ou “radical”, abrangente, ou que busque totalidades referenciais significativas [...] [6]. Há, portanto, todo um conjunto de procedimentos que se realizam gradativamente com o evoluir da investigação. Ou seja, a investigação filosófica se dá em etapas que se sucedem progressivamente. Esse rigor aqui observado é, sem duvida, uma das características da filosofia pela qual ela se aproxima da ciência na medida em que essa também segue certo rigor em sua maneira de produzir o conhecimento.

3.     A FILOSOFIA COMO FORMAÇÃO METÓDICA NO ENSINO FUNDAMENTAL 


Diante do caráter investigativo da filosofia, marcado pelo espírito da sistematização, Lorieri assinala seis quesitos básicos necessários a todo aquele que deseja entrar para o universo da investigação filosófica.
O primeiro quesito trata da necessidade das pessoas serem “boas investigadoras. isto é, que saibam cada vez melhor realizar procedimentos investigativos que lhes proporcione boas respostas às suas indagações” [7]. Para serem boas investigadoras é necessário também que as pessoas sejam boas observadoras, bem como questionadoras, dentre outros atributos básicos. No segundo quesito, o autor mostra a necessidade das pessoas serem “reflexivas, isto é, que adquiram o hábito de retomar seus pensamentos para os ‘pensar de novo’ tendo em vista aprimorar melhor o que já está pensado a respeito” [8]. Nesse sentido, ressalta-se a importância de se repensar o já pensado como forma de pensamento novo. Aqui o grande problema que vem a lume é: como parar para pensar o já pensado numa sociedade marcada pela pressão exercida sobre o individuo onde tudo se dá de forma imediata? Entretanto, o autor chama a atenção para os perigos que se corre ao si tomar certas atitudes irrefletidas. O terceiro quesito é a “crítica, isto é, ser capazes de por em crise seus achados”.[9] Nesse ponto, o Lorieri parte do princípio de que é necessário colocar em duvida todas as certezas já adquiridas. Desse modo, a crítica seria uma espécie de filtro de purificação do conhecimento. O quarto quesito trata da necessidade das pessoas serem “rigorosas, isto é, sistemáticas, ordeiras’, ordenadas, ao menos para aquilo que é importante, porque necessário”.[10] O quinto, diz que as pessoas precisam ser “profundas, isto é, dispostas a não parar na superfície dos fatos, das coisas, das situações e, por conseguinte, a não parar na superfície das análises relativas a tudo”. [11] Por fim o sexto quesito aponta para a necessidade das pessoas serem abrangentes, “isto é, não parciais. Todos temos de ver os fatos, as situações, as coisas, por todos os ângulos, em todas sãs dimensões e em todos os relacionamentos possíveis”.[12] Ser abrangente significa também visualizar as coisas como sendo sempre parte de um todo, ou de uma realidade mais ampla, na qual as coisas mantém uma conexão “harmoniosa”, onde nada existe isoladamente. É com base na existência dessas necessidades que se pode concluir pela necessidade da filosofia enquanto investigação sistemática a cerca de “tudo” o que existe.
No que diz respeito ao ensino da filosofia no ensino fundamental, ressalta-se a importância de enquanto mais cedo esse processo for iniciado, melhores poderão ser os efeitos ou resultados dele advindos. Nesse sentido, Lorieri refere que


Na proposta de ensino de filosofia para todas as pessoas, desde o mais cedo possível, é fundamental que todos participem dessa produção tão importante para suas vidas. Só assim as pessoas aprenderão a avaliar criticamente quaisquer respostas às questões de fundo que se lhes apresentem e poderão participar da produção das respostas que lhes sejam verdadeiramente convenientes ou que, ao menos, assim lhes pareçam pelos argumentos produzidos.[13]  


Essa preocupação em não retardar a iniciação das crianças e jovens no ensino da filosofia constitui apenas um aspecto parcial de outra preocupação mais ampla que consiste em não deixar escapar o momento essencial ao exercício do filosofar, no qual crianças e jovens interrogam e levantam questionamentos de natureza diversa. O trabalho com a filosofia no ensino fundamental aparece, portanto, como uma necessidade, ou – diga-se de passagem – uma oportunidade própria a responder as questões feitas pelas crianças e jovens, uma vez que elas têm o direito às respectivas respostas. Esse processo vem alume, então, como parte do processo de aprendizagem no qual todos são ou devem ser iniciados. Esse momento, certamente, pode ser entendido como um estágio inicial onde deve se explorar o máximo a reflexão do aluno, instigar-lhe à argumentação, levá-lo a fazer a crítica, dentre outros. De acordo com o autor, “criança, até bem pequenas, perguntam muito e, entre suas perguntas, algumas dizem respeito, por exemplo, ao fato do pensar e da existência das coisas, as situações que envolvem questões de certo e errado, justo e injusto.” [14] Daí, a razão pela qual se torna fundamental aproveitar esse momento da vida das crianças e jovens.
Diante do exposto acima, cabe ressaltar que o importante aqui é não aceitar, ou ainda, evitar, que as crianças e jovens – ou seja, a nova geração – tome para si aquelas respostas que, por outros, já foram constituídas. Para isso, faz-se necessário pensar numa educação que dentre outras prioridades objetivem a estimulação para o filosofar. Nas palavras do autor: “é preciso educar filosoficamente”. [15] Num sentido mais amplo, educar filosoficamente significa preparar o indivíduo para que ele participe com eficácia da historia humana, ou da construção dessa. A iniciação filosófica de crianças e jovens, na medida em que esclarece, favorece uma maior compreensão. É desse modo que a filosofia contribui para a formação de uma humanidade mais humanizada.
No que concerne aos conteúdos, Lorieri alude que


Os conteúdos da filosofia são temáticas que se apresentam na forma de certas perguntas e para as quais há diversas respostas, algumas das quais presentes com mais força no cultural de cada época histórica. Essas temáticas precisam estar sempre sendo examinadas, avaliadas e, eventualmente, reelaboradas ou mesmo substituídas.[16]


Obviamente, o objeto de estudo das ciências humanas é o próprio humano, ou coisas estritamente relacionadas com ele. É importante lembrar que a mudança, em sentido geral, é um dos aspectos característicos dessa ciência, assim como de todas as outras. É com base nisso que o autor chama atenção para o fato, ou a necessidade de se revisar sempre os temas com os quais se trabalha no ensino fundamental. O objetivo, da filosofia nesse nível de ensino parece ser, portanto, “a busca do desenvolvimento do pensamento reflexivo, rigoroso, profundo abrangente e criativo”. [17] 
Os temas sugeridos por Lorieri são, portanto, a Antropologia filosófica, onde se estudaria enfaticamente o homem; a Ontologia filosófica, onde se enfatizariam questões referentes ao mundo; Teoria do conhecimento; Axiologia; Estética e, por fim, a Lógica, haja vista, essa última, caracterizar-se como sendo o objeto da filosofia. Para que esses temas sejam bem repassados é necessário que haja um envolvimento da turma com os mesmo. Esse envolvimento, dos alunos com os temas é justamente o aquilo que marca, certamente, o início do processo do filosofar. Nesse sentido, o professor cumpre com um papel primordial, na medida em que auxilia eficazmente os alunos fazendo as devidas intervenções. De acordo com o autor,


O educador deve saber identificar as habilidades que estão sendo exigidas em cada situação, identificar seu emprego e ser capaz de oferecer mediação educacional no sentido de estimular o desenvolvimento delas e seu emprego cada vez mais competente. 


De que os esforços, as interrogações, as curiosidades, dentre outras, dos alunos são fundamentais para o exercício do filosofar, disso ninguém pode duvidar. Entretanto, a própria formação do professor aparece aqui nesse contexto como algo relevante para a realização, a formação, ou construção da sociedade que se almeja, o mundo que se quer alcançar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS


Este trabalho teve como objetivo primeiro refletir sobre a filosofia no sistema fundamental de ensino, à luz de Lorieri. Foi visto, então, como a filosofia pode contribuir para a construção de uma educação melhor. Procurou-se demonstrar que a filosofia possui uma maneira própria de proceder pela qual ela se distingue das demais formas de conhecimento. Foi mostrado como e por onde o professor de filosofia deve proceder em sua tão importante missão. Percebeu-se também que a filosofia não esgota as questões suscitadas, mas – buscando resposta e, muitas vezes, encontrando-as – abre caminhos para que as investigações continuem
Após todas as reflexões adotadas para a constituição da pesquisa, pode-se dizer que os fins a que esta se propôs perseguir, foram, sem sombra de dúvida, alcançados. A pesquisa objetivou, dentre outras pretensões, demonstrar a importância do ensino da filosofia no ensino fundamental.


ABSTRACT

This work has the intention to reflect on the practice of teaching with respect to the teaching of philosophy in elementary school. The basis on which to erect this research will be thinking of Mark Anthony Lorieri educator who advocates the teaching of philosophy as a need of basic education. Accordingly, it will seek to demonstrate that an author of the concerns is the fact that he is careful not to delay the initiation of children and youth in the teaching of philosophy. This, however, is only a partial aspect of another larger concern which affects not miss the moment essential to the exercise of philosophy, in which children and young people raise questions and interrogate varied. Search will show that working with the philosophy that level of education appears, therefore, as a necessity, or - tell by the way - a propitious opportunity to respond to questions asked by children and young people, once they have the right to their responses. That moment can certainly be understood as an initial stage of learning where it should exploit to the maximum reflection of the student, you instigate the argument, take him to criticize, among others.

Keywords: Education - Philosophy - Elementary - Children - Adolescents.


REFERÊNCIA


LORIERI, Marcos Antônio. Filosofia no ensino fundamental.  São Paulo: Cortez, 2002. (coleção docência em filosofia)


KOHAN, W. Omar, LEAL, Bernardino, RIBEIRO, Álvaro. Filosofia na escola pública. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. 

GEYER, Clóvis. A Pequena Grande Marília. Ed. 7. Florianópolis: Sophos, 2009.



[1] LORIERI, Marcos Antônio. Filosofia no ensino fundamental.  São Paulo: Cortez, 2002. p. 13.
[2] Id. Ibidem, p. 35.
[3] Id. Ibidem, p. 34.
[4] Id. Ibidem, P. 36.
[5] Id. Ibidem, P. 35.
[6] Id. Ibidem, p. 35.
[7] Id. Ibidem, p. 37.
[8] Id. Ibidem, p. 37.
[9] Id. Ibidem, p.38.
[10] Id. Ibidem, p. 38
[11] Id. Ibidem, p. 39.
[12] Id. Ibidem, p. 39.
[13] Id. Ibidem, p. 41.
[14] Id. Ibidem, p. 42.
[15] Id. Ibidem, p. 44.
[16] Id. Ibidem, p. 51.
[17] Id. Ibidem, p. 53.

A CRISE DA ÉTICA CONTEMPORÂNEA NO PENSAMENTO DE ALASDAIR MACINTYRE E A PROPOSTA DE RETORNO A ARISTÓTELES: UM DUELO COM HABERMAS


Trabalho apresentado na ocasião do 
XI Encontro Humanístico da UFMA
                                                                                           
       FÁBIO COIMBRA

Instituição: Universidade Federal do Maranhão
Titulação: Graduando
Endereço: Rua São Pantaleão, 168, centro, São Luís-Ma
Telefone: (98) 32316666 – (98) 81477904
E-mail: antaresf84@yahoo.com.br


RESUMO
A pesquisa em questão discorre sobre a crise da ética contemporânea no pensamento de MacIntyre fazendo um contraponto com o pensamento de Habermas. O objetivo a que se aspira aqui consiste em esclarecer que os dois filósofos têm projetos de pesquisa diferenciados, e especificar quais são esses projetos. Se por um lado MacIntyre – diagnosticando o problema ético da contemporaneidade – propõe um retorno às tradições morais de pesquisa racional como remédio para os males da ética moderna e contemporânea, por outro Habermas, cujo pensamento se insere no contexto da virada lingüística do século XX, propõe a ética do discurso como meio para a construção de uma sociedade eticamente melhor na medida em que o paradigma da comunicação representa, por excelência, a possibilidade através da qual os indivíduos podem chegar a um consenso. A hipótese aqui levantada é a de que ambos os projetos possuem relevância para a compreensão da ética e da moral moderna, sendo, portanto, descabido exaltar um em detrimento do outro. 

Palavras-chave: MacIntyre – Habermas – Tradição – Linguagem – Pesquisa


1.    MACINTYRE E A PROPOSTA DE RETORNO AS TRADIÇÃO

Em sua análise da sociedade moderna e contemporânea, herdeira da tradição iluminista, MacIntyre se depara com uma crise de valores éticos, históricos e culturais. Nesse contexto, a sua intenção consiste primordialmente numa busca do entendimento desse fenômeno para, em seguida, pensar a solução mais viável possível para a solução desse problema. Cumpre ressaltar que o que norteia o pensamento desse filósofo é a proposta de retorno às tradições morais de pesquisa racional, especificamente a tradição aristotélica. A proposta de retorno a Aristóteles se deve ao fato de que MacIntyre vê nesse filósofo a conjugação perfeita da tríade virtude – ética – racionalidade. No estagirita, há uma complementação desses elementos um por parte do outro numa relação indissociável. Na modernidade, uma das razões para a crise ética que ai se instala se deve, principalmente, em decorrência da cisão entre esses ideais (virtude, ética e racionalidade).
Em principio, MacIntyre se dá conta de que o problema decorrente do rompimento entre a modernidade, iniciada pelos ideais iluministas, e a tradição de pensamento antigo e medieval, se deve, sobretudo, ao abandono dos ideais éticos, tão valorizados no contexto das tradições, as quais possuem seus próprios padrões de racionalidade que, à sua vez, implicam num tipo de progresso que ela (tradição) faz. Do progresso que as tradições fazem, também resulta o acréscimo de confiança nelas, sobretudo, quando elas dão conta de solucionar as questões que lhes são postas. É no sentido do uso fragmentado dos ideais tradicionais que MacIntyre se dá conta de que a modernidade e a tradição têm projetos de pesquisa diferentes. E a partir daí percebe que os problemas da contemporaneidade, que decorrem dessa cisão, podem ser solucionados caso haja uma retomada dos elementos tradicionais de pesquisa racional. E é justamente essa a razão pela qual ele propõe o retorno à tradição.
Dado que MacIntyre vê em Aristóteles a referência fundamental da ética e do modelo de racionalidade tradicional, ele, então, defende uma retomada da ética aristotélica que preza pelas virtudes, as quais passam a constituir um tema fundamental no seu pensamento. É importante assinalar que na conjuntura do pensamento de MacIntyre, a virtude não deve ser concebida como algo linear no sentido de não sofrer nenhuma modificação do meio, ou do conjunto dos acontecimentos próprios de um contexto social. Pelo contrário, ela está – diga-se de passagem – estritamente relacionada com a mentalidade da época, e muda na medida em que a mentalidade e os acontecimentos mudam também. Assim, por exemplo, no período clássico a virtude era definida na polis. Nesse período (clássico), com as transformações que vieram a ocorrer, ocorreu também uma mudança nas virtudes. É importante também lembrar que a virtude muda de um lugar para outro. Por exemplo, se em Atenas a virtude do cidadão era a educação, em Esparta vai ser a disposição e robustez do indivíduo para a guerra. Ou seja, a virtude dos indivíduos de uma determinada época está em constante harmonia com os ideais, ou objetivos que a sua sociedade se põe a perseguir, e que como tais constituem, ou representam a totalidade do projeto dessa sociedade. 
Outro ponto de destaque no contexto da reflexão de MacIntyre sobre as virtudes é a noção de virtude como telos. Significa isto que a virtude deve ser pensada como meio. Entretanto, como medial, a virtude deve ser meio apenas para a escolha das ações retas, escolhas essas que devem ser próprias dos agentes virtuosos. Nesse sentido, agir virtuosamente pode até ser entendido como agir pelas paixões, mas, somente se essas forem educadas pela razão, isto é, pela própria virtude por intermédio da qual se dá a escolha racional. Percebe-se aqui que agir virtuosamente é agir baseado na razão. Em suma, pode se conceber em MacIntyre as virtudes como sendo as qualidades imprescindíveis que viabilizam ao indivíduo o alcance de determinadas metas.
Outra questão relevante à compreensão do pensamento de MacIntyre em matéria do que aqui está sendo tratado diz respeito à complementaridade que há entre virtude e lei, as quais se configuram no pensamento desse autor como constitutivos parciais de uma determinada sociedade. Nesse contexto se dá também a reflexão sobre a justiça, cuja virtude vem a lume como critério necessário para a aplicação da lei. Nesse sentido, a função da virtude consiste na superação dos males, sobretudo daqueles que corrompem as instituições, as quais, uma vez corrompida, se tornam corruptoras. Cumpre ressaltar que a corrupção das instituições é, por excelência, causa dos vícios, e jamais das virtudes. Daí a necessidade de se conservar estas e banir aquelas (as ações viciosas). Desse modo, em MacIntyre, há uma precedência da virtude. Ou seja, a virtude é a primeira exigência para a construção de boas instituições que, sendo boas, podem constituir uma sociedade sadia. Assim, o conjunto das praticas em sua integridade requer o exercício da virtude. É importante assinalar que a falta de justiça não corrompe apenas as instituições, mas, também as tradições. Logo, é a prática das virtudes que equilibra as relações entre as tradições e as instituições. Na ausência desse princípio (virtude), essa relação tende a certa tensão. Às dificuldades daí decorrentes se adiciona os conflitos de uma tradição com outra tradição. Ao conjunto, ou à soma desses problemas se diz que constitui assim os conflitos externos de uma determinada tradição. Uma das razões desses conflitos externos decorre do fato de que toda tradição está sempre em contradição com alguma coisa. Alem desses, há também os conflitos internos das tradições. Entretanto, cumpre ressaltar que tanto os conflitos externos, quanto os internos não constituem, por si só, razões suficientes para que o abandono à tradição venha a ocorrer. Pois, uma tradição (de pesquisa racional) é também um paradigma, ao qual não há como se abandonar se não há outro para se assumir.       
Uma terceira questão fundamental à compreensão da crise ética da contemporaneidade em MacIntyre diz respeito à perda da historicidade que ainda estava presente na ética anterior (aristotélica), perda essa que se deveu, especificamente, ao advento da modernidade. E é justamente nesse aspecto que no pensamento do filósofo a moral moderna estava fadada à falência. E isso constituía diretamente um reforço à proposta de retorno a Aristóteles.
Pode-se dizer, em suma, que é a partir da crítica ao iluminismo [quando do seu fracasso] que MacIntyre opera sua critica a modernidade. E é pela via da crítica à modernidade, que ele se volta para as tradições morais de pesquisa racional, como lugar possível onde a racionalidade dos fins pode encontrar o seu lugar sem ser dissolvida pela instrumentalidade de uma vontade arbitrária, tal como a partir do iluminismo. Nesse contexto, pode-se dizer que MacIntyre centra, parcialmente, a sua tese na análise do fracasso do projeto iluminista de uma ética autônoma, fracasso esse que se deveu, sobretudo, ao abandono dos ideais tradicionais de pesquisa racional que incorporavam – simultaneamente à racionalidade – a ética, a prática das virtudes e a historicidade. Ou seja, com o iluminismo houve uma cisão, especificamente, entre ética e racionalidade, seguindo-se essa e abandonando-se aquela. Nesse sentido, MacIntyre propõe uma retomada da ética aristotélica das virtudes como solução possível para o problema ético da contemporaneidade. Aqui cabe destacar que na concepção aristotélica, a virtude só era possível a partir de uma determinada forma de vida. Nesse contexto, o filósofo propõe uma ética como fim. Na visão de MacIntyre, a idéia de virtude como telos, já que em Aristóteles há uma teleologia, só poderá subsistir a partir de uma comunidade que assegure aos seus próprios membros papeis compreensíveis no âmbito de pesquisa racional. Assim, pode-se argumentar que o que caracteriza a ética de MacIntyre é o fato de que, primeiro, ele faz um diagnostico da modernidade e da contemporaneidade nas quais vê uma desordem em se tratando de teorias e práticas morais, desordem essa que resulta como herança do fracasso do projeto iluminista; e, segundo, dada essa diagnosticação, ele se pretende, então, como médico do cenário cultural e ético moderno e contemporâneo. E, como médico, o seu medicamento é um retorno a ética das virtudes tal como em Aristóteles. Ou seja, MacIntyre está propondo um retorno às tradições morais de pesquisa racional, especificamente a tradição aristotélica.

2.    A PERSPECTIVA HABERMASIANA

Em princípio, pode-se dizer que o que define a ética contemporânea pensada por Habermas, é a rejeição dos referencias históricos até então fundamentos para o pensamento ético. Esses referenciais, que se constituem em uma tríade, deixada na lateral pelo pensador alemão, são – segundo Jacqueline Russ – primeiro, “a ciência como ideologia [...]; o discurso como ‘modernista’ [...]; e a metafísica [...]”. [1] Essa rejeição a esses referenciais históricos, como a metafísica, demarca com clareza o conflito entre Habermas e outros pensadores como, por exemplo, MacIntyre, o qual defende um retorno à tradição como cura para os males éticos da contemporaneidade. Na concepção de Habermas, não há nenhuma necessidade de se usar a metafísica como fundamentos para a ética contemporânea.
Cumpre aqui salientar que o entendimento do pensamento habermasiano, no que diz respeito ao assunto tratado, só pode ocorrer com o máximo de clareza possível na medida em que se considera e se entende também o universo da filosofia contemporânea marcada por seus problemas e complexidades. A abordagem ética de Habermas está situada no contexto da virada lingüística do século XX. A compreensão desse evento, juntamente com a totalidade dos problemas que ela suscita, é que constituem, portanto, a chave para a compreensão do pensamento ético desse autor. Nesse contexto, a lingüística e, portanto, o mundo da linguagem, constitui o pano de fundo fundamental sob o qual se destacará grande parte (ou talvez a maior parte) dos problemas filosóficos dessa época. Embora a virada lingüística tenha se dado somente no século XX, a linguagem, como tal, já se constituía como fundamento da filosofia no século XIX. A importância da linguagem, nesse sentido, reside no fato de que é ela que diz ou determina o que as coisas são. Portanto, pode-se dizer que o universo fundamental no qual se desenvolve o pensamento ético de Habermas é o da filosofia da linguagem. É nesse contexto que ele situa a ética no campo do discurso e da comunicação, não perdendo de vista a racionalidade, sendo essa a razão pela qual ele vai falar de uma racionalidade comunicativa. Com a abordagem Habermasiana, a comunicação ocupa lugar de destaque no cerne da contemporaneidade.  E é ancorado no protótipo da linguagem que Habermas recusa o retorno aos pressupostos filosófico-históricos, como a metafísica. Ou seja, em Habermas o que norteia a ética é o paradigma da comunicação. Uma das características da comunicação é que ela visa ao diálogo entre os sujeitos. Esse diálogo também se traduz na decifração de signos que se expressam na comunicação por meio da linguagem.
Cumpre ressaltar também que Habermas é crítico da mentalidade positivista de inspiração kantiana. Essa crítica do filósofo reside no fato dele não conceber as normas como a priori à consciência dos membros de uma determinada sociedade, tal como ocorre em Kant. O que Habermas propõe, em contraposição, é que as normas sejam construídas no seio da sociedade por meio, exclusivamente, da racionalidade discursiva. Ou seja, a instituição das normas deve ser precedida pelo diálogo entre os integrantes de um determinado grupo. A tendência do diálogo é chegar a um consenso, o qual se traduz em normas que, não obstante, se universalizam. É dessa maneira, portanto, que se dá a instituição das normas via capacidade discursiva. É também desse modo que Habermas parece postular uma dissolução da oposição entre moralidade e legalidade. A moralidade, que pertence à esfera do Estado, não pode está em oposição à legalidade porque o que é legal é, agora, fruto de um consenso entre os membros do Estado. Portanto, se a moral é a maneira como o Estado se organiza para administrar a conduta dos indivíduos – ao contrário da ética que é individual e está ligada a princípios de conduta pessoa –, esses (os indivíduos) à sua vez, participam dessa organização por meio do discurso. É nesse sentido que Habermas fala da ética do discurso, ou seja, um universo onde tudo está ligado à comunicação, à linguagem. A linguagem – que serve para o entendimento – por sua vez, só se dá numa relação interpessoal, discursiva e de consciência. Como tal ela representa o único meio pelo qual os indivíduos podem chegar ao consenso sem o uso da violência. Ou seja, somente a fala – ou em termos habermasiano, o agir comunicativo – pode gerar o consenso isento de coação. A linguagem também representa a própria condição de possibilidade da racionalidade, dado que é por meio dela (linguagem) que se pode expressar o pensamento que é, por excelência, a atividade da razão, embora nem todo pensamento seja racional. Portanto, na ética habermasiana nada depende de uma razão pré-estabelecida. Pelo contrário, tudo é construído gradativamente por meio da linguagem, ou seja, do discurso.
Outra questão relevante que merece destaque é a relação entre Direito e Moral. A Moral, em Habermas, está associada ao Direito. Essa relação se dá pelo fato de que enquanto o Direito determina as normas (mas, passando antes pela via discursiva para chegar a um consenso), a moral caracteriza a ação do Estado para, a partir de tais normas, reger o funcionamento da sociedade. Nesse contexto, o princípio moral também opera na constituição interna de uma determinada argumentação. E nesse sentido, para Habermas, direito e moral se desenvolve num viés congenial. E desse modo, a relação entre ambos se torna relevante.


ABSTRACT


The research in question talks about the crisis of ethics in contemporary thought MacIntyre making a contrast with the thinking of Habermas. The goal aspired to here is to clarify that the philosophers have two different research projects, and specify what those projects. On the one hand MacIntyre - the ethical problem of diagnosing contemporary - proposes a return to moral traditions of rational inquiry as a remedy for the ills of modern and contemporary ethics, Habermas on the other, whose thinking is in the context of the linguistic turn of the twentieth century, discourse ethics proposes as a means for building a better society ethically as it represents the paradigm of communication par excellence, the possibility through which individuals can reach a consensus. The hypothesis raised is that both projects have relevance to the understanding of ethics and modern morality, therefore, inappropriate to exalt one over the other.

Keywords: MacIntyre - Habermas - Tradition - language Research


REFERÊNCIA

CARVALHO, Helder Buenos Aires de. Asladair MacIntyre e a proposta de retorno às tradições morais de pesquisa racional. In: OLIVEIRA, Manfredo Araujo de (Org.) Correntes fundamentais da ética contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2000.


RUSS, Jacqueline. Pensamento ético contemporâneo. São Paulo: Paulus, 1999. In: Studium São Basílio Magno: Instituto de Filosofia, Ética II, Curitiba, 2007.


HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1989. In: Studium São Basílio Magno: Instituto de Filosofia, Ética II, Curitiba, 2007.
  


[1] Cf. Russ, Jacqueline. Pensamento ético contemporâneo. São Paulo: Paulus, 1999. In: Studium São Basílio Magno: Instituto de Filosofia, Ética II, Curitiba, 2007. p. 143.

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