domingo, 30 de maio de 2010

FICHAMENTO DO LIVRO "O PRÍNCIPE” DE MAQUIAVEL



REFERÊNCIA
NICOLAU, Maquiavel. O Príncipe. Trad. Maria Júlia Goldwasser. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996 – (clássicos)

Prefácio
- o príncipe é um livro cuja aparente clareza deslumbram e cujo mistério os eruditos e os simples leitores tentam em vão esclarecer. p. IX.
- numa nota de O contrato Social, Rousseau diz que Maquiavel era um homem honesto e um bom cidadão, mas estando ligado à casa dos Medici, era obrigado, em meio à opressão de sua pátria, a disfarçar o seu amor à liberdade. p. X.
- Maquiavel amava a liberdade e nem mesmo disfarçava seu amor. Mas, para fundar um principado novo ou livrar a Itália dos bárbaros, a liberdade de um povo corrompido teria sido impotente. p. X.
- toda resposta a uma questão suscita novas questões e talvez nos leve ao ponto de partida, à interrogação inicial formulada com mais sutileza. p. X.
- sendo os homens o que são, os preceitos que a experiência do mundo sugere não coincidem com o que os moralistas ensinam. p. XIII.
- o bem temporal em que frutifica a justiça do estado, o mal temporal em que frutifica sua iniqüidade, podem ser e na verdade são inteiramente diferentes dos resultados imediatos que o espírito humano podia prever e que os olhos humanos contemplam. p. XIV.
- a política é ação e a ação tende ao êxito. p. XIV.

Cronologia
1469, 3 de maio. Nasce Niccolò Machiavelli, filho de Bernardo, advogado, e de Bartolomea de Nelli, poetisa amadora. Terceiro de 4 filhos, Maquiavel é educado em um ambiente culto. Herdou do pai uma vocação para os estudo históricos e jurídicos.
1492. morre Lorenzo de Medici, sendo substituído por seu filho Piero (1471-1503). p. XVIII.
1494. setembro-dezembro, avançando suas pretensões sobre o reino de Nápoles, Carlos VIII, rei da França, chega a Itália e entra também em Florença. Piero de Medici é expulso da cidade sob a acusação de ter aceito, sem nenhuma hesitação, as onerosas exigências do soberano francês, e os habitantes de Florença proclama m a republica. Gerolamo Savonarola aproveita-se da situação para torna-se árbitro da vida florentina. p. XVIII
1498, 23 de maio. Acusado de heresia e excomungado, Savonarola é processado, enforcado e queimado na Piazza della Signoria. 19 de junho, Maquiavel é eleito secretário da república, oi seja, chefe da segunda chancelaria. p. XIX.
1512, 16 de setembro, o governo republicano é desfeito e, com o apoio do papa, os Medici voltam para a cidade. p. XXVIII.
1513, fevereiro, sob suspeita de participar de um complô contra os Médici, Maquiavel é preso e torturado. Reconhecido inocente e colocado em liberdade, retira-se para Sant’ Andrea in Percussina, na Villa conhecida como L’ Albergaccio. 10 de dezembro. numa carta ao embaixador florentino Francesco Vettori, Maquiavel anuncia: “Escrevi um livreto, De Principatibus (O Príncipe), onde me aprofundo o mais que posso nos argumentos do assunto acima, investigando o que é principado, de que espécie são, como se conquistam, como se mantém, porque se perdem”. A obra é dedicada a Lorenzo II de Medici. p. XXVIII.
1517. Maquiavel conclui a obra Discorsi sopra La prima deca di Tito Livio, iniciada em 1513 e interrompida para a execução de O Príncipe. p. XXIX
1527, 21 de junho. Despojado de todos os seus cargos da nova república, morre pobre em Florença, chorado apenas por poucos amigos do cenáculo dos Orti Oricellari. No dia seguinte, é enterrado em Santa Croce. p. XXXIII.



O PRÍNCIPE
CAP. I           
DE QUANTOS TIPOS SÃO OS PRINCIPADOS E DE QUE MODO SE ADQUIREM. P 3
- Todos os estados, todos os domínios que tiveram e têm poder sobre os homens foram e são ou republicas ou principados. Os principados ou são hereditários, nos quais o sangue de seu senhor vem governando há longo tempo, ou são novos. p. 3.
CAP. II
DOS PRINCIPADOS HEREDITÁRIOS. P 5.
- Ocupar-me-ei somente dos principados e discutirei de que forma podem ser governados e mantidos. p. 5.
- Nos estados hereditários e acostumados à dinastia de seus príncipes são bem menores as dificuldades para se governar do que nos novos, pois, basta não descuidar da ordem instituída pelos seus antepassados. p. 5.
- O príncipe natural (hereditário) tem menos motivo e menos necessidade de ofender; daí resulta que seja mais amado. p. 5.
Sempre uma mudança deixa preparada as fundações da outra. p. 6.
CAP. III
DOS PRINCIPADOS MISTOS
- É no principado novo que estão as dificuldades. [...], que consiste no fato de os homens gostarem de mudar de senhor, acreditando com isso melhorar. Esta crença os faz tomar armas contra o senhor atual. Só mais tarde percebem o engano, pela própria experiência deterem piorado. Isto decorre de uma outra necessidade natural e ordinária, a qual sempre impõe ofender aqueles aquém se passa a governar. p. 7.
- Diante de uma rebelião, o senhor agirá com menos timidez para determinar a punição dos traidores, identificar os suspeitos e determinar seus pontos mais fracos. p. 8.
- Quem deseja conservar suas conquistas deve ter em mente duas precauções: uma é extinguir o sangue do antigo príncipe; outra é não alterar suas leis e impostos. p. 9.
- Não se deve jamais deixar uma desordem prosperar para evita uma guerra, porque uma guerra não se evita, somente se posterga com desvantagem para si mesmo. p. 15.
- Os franceses não entendiam de Estado porque, se entendessem, não teriam permitido que a igreja alcançasse tanta grandeza. p. 16
- Arruína-se quem é instrumento para que outro se torne poderoso, porque esse poder é dado ou pela astucia pela força e ambas são suspeitas a quem se torna poderoso. p. 16  
CAP. IV
POR QUE RAZÃO O REINO DE DARIO, OCUPADO POR ALEXANDRE, NÃO SE REBELOU CONTRA OS SUCESSORES DESTE APÓS A SUA MORTE
- Os principados dos quais se tem memória são governados de dois modos diversos: ou por príncipe de quem são servidores todos os outros, ou por um príncipe e barões que detém a sua não pela graça do senhor, mas pela antiguidade do sangue. p. 17.
- Nos estados governados por príncipes e seus servidores, o príncipe tem maior autoridade, por que em toda a província não há ninguém que se reconheça como superior a ele. p. 17
CAP. V
DE QUE MODO SE DEVEM GOVERNAR AS CIDADES OU PRINCIPADOS QUE, ANTES DE SEREM OCUPADOS, VIVIAM SOB SUAS PRÓPRIAS LEIS
- Quando os estado conquistados estão habituados a viver sob suas próprias leis e em liberdade[1], existem três maneiras de conservá-los: a primeira é destruí-los[2], a outra é ir pessoalmente residir neles, e a terceira é deixá-los viver sob suas próprias leis, impondo-lhes um tributo e criando dentro deles um governo de poucos, que se conserve teu amigo. p. 21.
- Quem se torna senhor de uma cidade habituada a viver livre, e não a destrói, será destruído por ela, porque ela sempre invocará, na rebelião, o nome de sua liberdade e de sua antiga ordem, as quais nem o passar do tempo, nem os benefícios jamais farão esquecer. p. 22.
- Quando as cidades ou as províncias estão habituadas a viver sob o governo de um príncipe e seu sangue desaparece, estando de um lado acostumados a obedecer e, de outro, não tendo mais esse antigo príncipe, não chegam a um acordo para eleger outro e não sabem viver em liberdade: por isso são mais lentos em tomar armas e com mais facilidade poderá um príncipe conquistá-las e conservá-las em seu poder. p. 22.
- Nas repúblicas há mais vida, mais ódio, mais desejo de vingança. Ali a recordação da liberdade não as pode deixar em paz e, por isso, o meio seguro para possuí-las é ou destruí-las é ou destruí-las ou ir habitá-las. p. 22.
CAP. VI
DOS PRINCIPADOS NOVOS QUE SE CONQUISTAM COM ARMAS PRÓPRIAS E COM VIRTÙ
- Os homens trilham quase sempre caminhos abertos por outros e pautam suas ações sobre essas imitações, embora não possam repetir tudo na vida dos imitados nem igualar sua virtù. p. 23.
- Um homem prudente deve sempre seguir os caminhos abertos pelos grandes homens e espelhar-se nos que foram excelentes. p. 23.
- Sem a ocasião a virtù se teria perdido, assim como sem virtù, a ocasião teria seguido em vão. p. 24.
- Era necessário que Moisés encontrasse no Egito o povo de Israel escravizado e que este se dispusesse a segui-lo [...] Era preciso que Ciro encontrasse os persas descontes com o império dos medas e estes debilitados e estes debilitados e afeminados pela longa paz. Não poderia Teseu demonstrar sua virtù se não tivesse encontrado os atenienses dispersos. Essas ocasiões, portanto, tornaram aqueles homens afortunados; enquanto sua excelente virtù fez com que reconhecessem a ocasião. Com isso trouxeram honra e felicidade a suas pátrias. p. 24-25.
- Aqueles que, por caminhos valorosos come estes, se tornam príncipes, conquistam o principado com dificuldade, mas o conservam com facilidade. As dificuldades que têm para conquistá-lo nascem em parte da nova ordem e dos novos métodos que são obrigados a introduzir para fundar seu estado e sua segurança. p. 25.
- Devemos convir que não há coisa mais difícil de se fazer, mas duvidosa de se alcançar, ou  mais perigosa de se manejar do que ser o introdutor de uma nova ordem, porque quem o é tem por inimigos todos aqueles que se beneficiam com a antiga ordem, e como tímidos defensores todos aqueles a quem as novas instituições beneficiariam. p. 25.
- Essa timidez nasce em parte do medo dos adversários, que tem a lei ao seu lado, em parte da incredulidade dos homens, que só crêem na verdade das coisas novas depois de comprovadas por uma firme experiência. p. 25.
- É necessário, para bem compreender este assunto, examinar se estes inovadores dispõem de meios próprios ou dependem de outros, isto é, se para realizar a sua obra precisam pedir ou podem força. p. 25.
- No primeiro caso acabam sempre mal e não conseguem nada; mas quando dispõem de seus próprios meios e podem forçar, é raro que fracassem. p. 25.
- Todos os profetas armados vencem, enquanto os desarmados se arruínam. p. 25.
- Em nosso tempo, foi o que aconteceu ao frei Girolamo Savonarola, que se arruinou com sua ordem nova a partir do momento em que a multidão começou a não acreditar nela, pois ele não dispunha de meios nem para manter firme os que haviam acreditado, nem para fazer crer os descrentes. p. 26.
CAP. VII
DOS PRINCIPADOS NOVOS QUE SE CONQUISTAM COM AS ARMAS E A FORTUNA DE OUTREM
- Aqueles que, somente pela fortuna, de cidadãos particulares se tornam príncipes fazem-no com pouco esforço, mas com muito esforço se mantém. p. 27
- Os homens ferem ou por medo ou por ódio. E não encontram nele dificuldade no caminho porque passam voando por ele: mas todas as dificuldades surgem quando chegam ao destino. Isto se verifica quando um estado é concedido a alguém ou por dinheiro ou pelas graças de quem o concede. [...] eles se apóiam na vontade e na fortuna de quem lhes concedeu poder, que são coisas muito volúveis e instáveis, e não sabem nem podem manter o principado. p. 27.
CAP. VIII
DOS QUE CHEGARAM AO PRINCIPADO POR ATOS CRIMINOSOS

- São bem empregadas as crueldades que se fazem de uma só vez pela necessidade de garantir-se e depois não se insiste mais em fazer, mas rendem o Maximo possível de utilidade para os súditos. p. 41.
- Mal empregadas são aquelas que crescem com o tempo, ao invés de se extinguirem. p 41.
- Ao tomar um estado, o conquistado deve examinar todas as ofensas que precisa fazer, para perpetuá-las todas de uma só vez e não ter que renová-las todos os dias. p. 41.
CAP. IX
DO PRINCIPADO CIVIL
- Quando um cidadão particular se torna príncipe de sua pátria, não por atos criminosos nem outras violências intoleráveis, mas pelo apoio de seus cidadãos (o que se pode chamar principado civil; para alcançá-lo, não é necessário ter muita virtù, nem muita fortuna, mas antes uma astucia afortunada), digo que se ascende a este principado ou pelo favor do povo ou pelo favor dos grandes. p. 43.
- Quando os grandes percebem que não pode resistir ao povo, começam a exaltar a fama de um deles e o tornam príncipe para poder, sob sua sombra, desafogar o apetite. p. 43.
- O povo também, quando percebe que não pode resistir aos grandes, dá reputação a alguém e o faz príncipe, para ser defendido por sua autoridade. p 43.
- Quem chega ao principado com a ajuda dos grandes mantém-se com mais dificuldades do que o que se torna príncipe com a ajuda do povo, porque o primeiro se vê cercado de muitos que parecem ser seus iguais, não podendo com isso, comandá-los nem manejá-los ao seu modo. P. 43-44.
- Quem chega ao principado com o favor popular encontra-se sozinho e não tem em torno de si ninguém ou pouquíssimos que não estejam prontos a obedecê-lo. p. 44.
- Um príncipe não pode jamais proteger-se contra a inimizade do povo, porque são muitos; no entanto, pode-se garantir contra os grandes porque são muitos. p. 44.
- Quem se tornar príncipe pelo favor do povo deverá manter sua amizade , o que será fácil, pois tudo que lhe pedem é não serem oprimidos. p. 45.
- Mas quem se tornar príncipe pelo favor dos grandes e contra o povo, deverá, antes de qualquer outra coisa, procurar conquistá-lo, o que também será fácil, se lhe der proteção. p 45.
- Como os homens se ligam mais ao seu benfeitor quando recebem o bem quando esperam o mal, neste caso, o povo se torna mais rapidamente favorável ao príncipe do que se ele tivesse sido conduzido ao principado graças ao seu apoio. p. 45.
- É necessário ao príncipe ter o povo como amigo; caso contrário, não terá remédio na adversidade. p. 45.
- Um príncipe sábio deve encontrar um modo pelo qual seus cidadãos, sempre e em qualquer tempo, tenham necessidade do estado e dele; assim sempre lhe serão fiéis. p. 47.
CAP. X
DE QUE FORMA SE DEVEM AVALIAR AS FORÇAS DE TODOS OS PRINCIPADOS
- Os príncipes que podem governa-se por si mesmos [...] são capazes de formar um exército bem proporcionado e travar batalhas com quem quer os ataque. p. 49.
- Um príncipe que tem uma cidade forte e não se faz odiar não pode ser atacado. p. 50.
- Um príncipe forte e corajoso sempre superará todas as dificuldades, dando a seus súditos a esperança de que o mal não será longo. p. 50.
- É da natureza dos homens deixar-se cativar tanto pelos benefícios feitos como pelos recebidos. p. 51.
- Não será difícil a um príncipe prudente manter firme o ânimo de que seus cidadãos antes e depois do assédio, desde que não lhes faltem alimentos nem meios de defesa. p. 50.
CAP. XI
DOS PRINCIPADOS ECLESIÁSTICOS
Somente eles (os príncipes eclesiástico) possuem estados e não os defendem; súditos, e não os governam ; e os estados por não serem defendidos, não lhes são tomados; e os súditos, por não serem governados, não cuidam, nem podem separa-se dele. Logo, só estes principados são seguros e felizes. p. 53.
CAP. XII
DE QUANTOS GÊNEROS HÁ DE MILÍCIAS E DE SOLDADOS MERCENÁRIOS
- Os principais fundamentos de todos os estados, tanto dos novos como dos velhos, ou dos mistos, são boas leis e boas armas. p. 57.
- Como não se podem ter boas leis, onde não existem boas armas, e onde são boas as armas costumam ser boas as leis, deixarei de refletir sobre as leis e falarei sobre as armas. p. 57.
- Quem tem o seu estado baseado em armas mercenárias jamais estará seguro e tranqüilo, por que elas são desunidas, ambiciosas, indisciplinadas, infiéis, valentes entres os amigos e covardes entre os inimigos. p. 57.
- O príncipe apena terá adiada a sua derrota, pelo tempo que for adiado o ataque. p. 58.
- A ruína da Itália não tem outra razão senão está há muitos anos apoiada em armas mercenárias. p. 58.
- somente os príncipes e as republicas armadas fazem progresso imenso, enquanto os exércitos mercenários trazem apenas danos. p. 59.
Cap. XIII
DOS EXÉRCITOS AUXILIARES[3], MISTOS E PRÓPRIOS
- Os exércitos auxiliares, que são outra arma inútil, são as tropas de um poderoso chamado para te auxiliar e defender. p. 63.
- Esses exércitos podem ser úteis e bons para si mesmos, mas, para quem os chama, são quase sempre nocivos; quando perdem, és derrotado junto com eles e, quando vencem, te aprisionam. p. 63.
- oferecendo-se Davi a Saul para combater Golias, agitador filisteu, Saul equipou-o com suas armas para dar-lhe bom ânimo. Ao experimentá-las, porem, Davi as recusou, dizendo que com elas não poderia bem valer-se de si mesmo; em vez disso queria enfrentar o inimigo com sua funda e seu punhal. p. 65.
- Os exércitos dos outros ou te caem pelas costas, ou te pesam ou te apertam. p. 65.
- A pouco prudência dos homens começa uma coisa que, por ter bom sabor, não lhes permite notar o veneno que traz por baixo. p. 66.
- Se examinarmos a razão primeira da ruína do Império Romano, veremos que residiu tão-somente em ter começado a contratar os godos[4], porque, a partir desse início, começaram a debilitar-se as suas forças e toda a virtù que se tirava dele se transferia para os outros. p. 66.
- Sem armas próprias nenhum principado estará seguro. p. 66.
- As armas próprias são as composta ou de súditos, ou de cidadãos, ou de pessoas a quem conferistes poder. p. 67.
CAP. XIV
DO QUE COMPETE A UM PRÍNCIPE ACERCA DA MILÍCIA
- deve portanto um príncipe não ter outro objetivo, nem pensamento, nem tomar como arte sua coisa alguma que não seja a guerra, sua ordem e disciplina, porque está é a única arte que compete a quem comanda. p. 69.
- A primeira razão que te leva a perder teu estado é negligenciar esta arte, e a razão que te faz conquistar é ser versado nela. p. 69.
- conhecer o país permite melhor planejar a sua defesa. p. 70.
- Filipêmenes, príncipe dos aqueus, nos tempos de paz não pensava senão nos métodos de guerra e, quando estava nos campos com os amigos, muitas vezes se perguntava: “se os inimigos estivessem em cima daquele monte e nós aqui em baixo, qual de nós estaria em vantagem? Como se poderia atacá-los, conservando a nossa formação? Se quiséssemos bater em retirada, como teríamos de fazer? Se eles batessem em retirada, como faríamos para persegui-los?  (não tinha imprevisto algum para o qual ele não tinha solução). p. 71.
- quanto aos exercícios da mente deve o príncipe ler as história e refletir sobre as ações dos homens excelentes, ver como se comportaram nas guerras, examinar as causas da vitória e derrotas a fim de poder escapar destas e imitar aquelas. p. 71
- Um príncipe sábio deve observar comportamentos semelhantes e jamais permanecer ocioso nos tempos de paz. p. 72.
CAP. XV
DAS COISAS PELAS QUAIS OS HOMENS, E ESPECIALMENTE OS PRÍNCIPES, SÃO LOUVADOS OU VITUPERADOS
- Resta agora ver como deve comportar-se um príncipe para com seus súditos e seus amigos. p. 73.
- Sendo meu intento escrever coisa útil para quem me lê, parece-me mais conveniente procurar a verdade efetiva da coisa[5] do que uma imaginação sobre ela. p. 73.
- Muitos imaginaram republicas e principados que jamais foram vistos e que nem se soube se existiram na verdade, porque há tamanha distancia entre como se vive e como se deveria viver, que, aquele que trocar o que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes sua ruína que sua preservação; pois um homem que queira fazer em todas as coisas profissões de bondade deve arruinar-se entre tantos que não são bons. Daí ser necessário a um príncipe, se quiser manter-se, aprender a poder não ser bom e a se valer ou não disto quando for preciso. p. 73.
- Por estarem em posição mais elevada, eles (os príncipes) se fazem notar por certas qualidades que lhe trazem reprovação ou louvor[6]. p. 74.
CAP. XVI
DA LIBERDADE E DA PARCIMÔNIA
- seria bom ser considerado liberal. No entanto, a liberalidade usada de maneira ostensiva te prejudica, mas usada com virtù, como deveria ser, não se torna notória e não te livra da infâmia de ser tido como o contrário. p. 75.
- Contudo, desejando manter diante dos homens a reputação de liberal, precisará não dispensar nenhuma espécie de suntuosidade, de tal modo que, nessas condições, um príncipe sempre gastará nessas obras todas as suas disponibilidades, necessitando ao fim, se quiser manter o conceito de liberal, onerar violentamente o povo, ser cruel nos impostos e fazer tudo o que for necessário para obter dinheiro. Isto começará a torná-lo odioso diante dos súditos e malquisto por todos, tornando-se pobre. p. 75.
- Assim, tendo com sua liberalidade ofendido a muitos e premiado a poucos, será atingido pelo primeiro revés e abalado pelo primeiro perigo que surgir. E, se tomar conhecimento disto e quiser voltar atrás, logo ocorrerá na fama de miserável. p. 75.
- Não podendo um príncipe usar da virtù da liberalidade sem prejuízo próprio e sem danos, de forma que seja divulgada, deverá, se for prudente, não se preocupar com fama de miserável, porque com o tempo será considerado cada vez mais liberal, ao verem que, graças à sua parcimônia, suas receitas lhe bastam, que pode defender-se dos que lhe movem guerras e realizar seus empreendimentos sem onera o povo. p. 75-76.
- Para não ter de roubar os súditos, poder defender-se e para não ficar pobre e desprezível, e para não ser obrigado a se tornar rapace[7], um príncipe deve temer pouco incorrer na fama de miserável, porque Este é um dos vícios que lhe permitem governar. p. 76.
- o príncipe gasta do que é seu e de seus súditos ou gasta do que é dos outros; no primeiro caso, deve ser parcimonioso, no outro, não deve deixar de lado nenhum indicio de liberalidade. p. 77.
- Dentre todas as coisas de que um príncipe deve guardar-se, a primeira é ser desprezível e odioso; a liberalidade conduz a uma ou outra coisa. p. 77.
- Gastar o que pertence aos outros não diminui a tua reputação, e sim a aumenta: só te é prejudicial gastar o que é teu. p. 77
- Portanto, é mais sábio ficar com a fama de miserável, que gera uma infâmia sem ódio, do que, por desejar o renome de liberal, precisar incorrer na fama de rapace, que gera uma infâmia com ódio. p. 77.     
CAP. XVII
DA CRUELDADE E DA PIEDADE E SE É MELHOR SER AMADO QUE TEMIDO OU MELHOR SER TEMIDO QUE AMADO
- Todo príncipe deve desejar ser considerado piedoso e não cruel; entretanto, devo adverti-lo a não usar mal está piedade. p. 79.
- Cesare Borgia era tido como cruel; no entanto, com sua crueldade reergueu a Romanha, reunificou-a e restitui-lhe a paz e a lealdade, o que bem considerado, evidenciará que ele foi muito mais piedoso, do que o povo florentino, o qual, para evitar a fama de cruel, permitiu-lhe a destruição de Pistóia. p. 79.
- Um príncipe deverá, portanto, não se preocupar com a fama de cruel se desejar manter seus súditos unidos e obedientes. p. 79.
- Dando os pouquíssimos exemplos necessários, será mais piedoso do que aqueles que, por excessiva piedade, deixam evoluir as desordens, das quais resultam assassínios e rapinas; porque estes costumam prejudicar uma universalidade inteira de cidadãos, enquanto as execuções ordenas pelo príncipe ofendem apenas um particular. p. 79.
- Dentre todos os príncipes, particularmente ao príncipe novo é impossível escapar a fama de cruel, por serem os novos estados repletos de perigos. p. 79.
- É melhor ser amado que temido, ou o inverso? A resposta é que seria desejável ser ambas as coisas, mas, como é difícil combiná-las, é muito mais seguro ser temido do que amado, quando se tem de desistir de uma das duas. Isto porque geralmente se pode afirmar o seguinte a cerca dos homens: que são ingratos, volúveis, simulados e dissimulados, fogem dos perigos, são ávidos de ganhar, enquanto lhes fazem o bem, pertencem inteiramente a ti, te oferecem o sangue o patrimônio, a vida e os filhos, desde que o perigo esteja distante; mas quando precisa deles, revoltam-se. p. 80.
- Os homens têm menos receio de ofender a quem se faz amar do que a outro que se faça temer; pois o amor é mantido pelo vinculo de reconhecimento, o qual, sendo os homens perversos, é rompido sempre que lhes interessa, enquanto o temor é mantido pelo medo ao castigo, que nunca te abandona. p. 80.
- é perfeitamente ser temido e são ser odiado ao mesmo tempo, o que conseguirá sempre (o príncipe) que se abstenha de se apoderar do patrimônio  e das mulheres de seus cidadãos e súditos. p. 81.
- Se precisar derramar o sangue de alguém, deve fazê-lo quando houver justificativa conveniente e causa manifesta. Mas, sobretudo, deverá respeitar o patrimônio alheio, porque os homens esquecem mais rapidamente a morte do pai do que a perda do patrimônio. p. 81.
- Aquele que começa a viver de rapina sempre encontra motivos para se apoderar violentamente do que pertence aos outros; enquanto as razões para matar são, ao contrário mais rápidas e terminam mais rapidamente. p. 81.
- sem a crueldade não basta a virtù para se conseguir realizar ações. p. 81.
- Sobre ser temido e amado, concluo que, como os homens amam segundo sua vontade e teme segundo a vontade do príncipe, deve este contar com o que é seu e não com o que é de outros, empenhando-se apenas em evitar o ódio. p. 82.
CAP. XVIII
DE QUE MODO DEVEM OS PRÍNCIPES MANTER A PALAVRA DADA
- Todos reconhecem o quanto é louvável que um príncipe mantenha a palavra empenhada e viva com integridade e não com astúcia. Entretanto, por experiência, vê-se, em nossos tempos, que fizeram grandes coisas os príncipes que tiveram em pouca conta a palavra dada e souberam, com astucia, rever a mente dos homens, superando, enfim, aqueles que se pautaram pela lealdade. p. 83.
- Devemos, pois, saber que existem dois gêneros de combate: um com as leis e outro com a força. O primeiro é próprio ao homem, o segundo é dos animais. p. 83.
- Como frequentemente o primeiro não basta, convém recorrer ao segundo. Portanto, é necessário ao príncipe saber usar tanto quanto o homem. p. 83.
- Ter um preceptor meio animal meio homem não quer dizer outra coisa senão que um príncipe deve saber usar ambas as naturezas e que uma sem a outra não é duradora. p. 83.
- um príncipe, se necessário, precisa saber usar bem a natureza animal, deve escolher a raposa e o leão, porque o leão não tem defesa contra os laços, nem a raposa contra os lobos. Precisa, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos. p. 84.
- Um príncipe prudente não pode, nem deve, guardar a palavra dada, quando isso se torna prejudicial ou quando deixem de existir as razões que o haviam levado a prometer. p. 84.
- Se os homens fossem todos bons, este preceito não seria bom, mas, como são maus e não mantém sua palavra para contigo, não tens também a cumprir com a tua. p. 84.
- Quem melhor se sai é quem melhor sabe valer-se das qualidades da raposa. Mas é necessário saber disfarçar bem essa natureza e ser grande simulador e dissimulador, pois os homens são tão simples e obedecem as necessidades presentes, que o enganador encontrará sempre quem se deixe enganar. p. 84.
- precisa (o príncipe) não se afastar do bem, mas saber entrar no mal, se necessário. p. 85.
- Os homens, em geral, julgam as coisas mias pelos olhos que com as mãos, porque todos podem ver, mas poucos podem sentir. p. 85.
- Todos vêem aquilo que parece, mas poucos sentem o que é. p. 85.
CAP. XIX
COMO SE DEVE EVITAR SER DESPREZADO E ODIADO
- Torna-o (o príncipe), sobretudo, ser rapace e usurpador das coisas e das mulheres dos súditos, do que se deve abster, pois os homens em geral vivem contentes enquanto deles não se toma o patrimônio nem a honra, restando ao príncipe apenas ter que combater a ambição de uns poucos, a qual pode ser refreada de muitas maneiras e com facilidades. p. 87.
-Torna-o desprezível ser sido inconstante, leviano, efeminado, pusilânime, e irresoluto, coisa que um príncipe deve evitar como os escolhos, devendo empenhar-se para que em suas ações, se reconheça grandeza, ânimo ponderação e energia. p. 87.
- Em sua atuação junto à intriga privadas dos súditos, deve firmar suas decisões como irrevogáveis e manter sua posição de modo que ninguém pense em enganá-lo nem fazê-lo mudar de opinião. p. 87.
- Um príncipe deve ter dois receios: um interno, por conta de seus súditos; e outro externo por conta das potências estrangeiras. O meio de se defender destas são as boas armas e os bons amigos e sempre que tiver boas armas terá bons amigos. p. 88.
- Mesmo que ocorram agitações externas, se o príncipe for organizado, vivendo e não se entregar, sempre resistirá a qualquer ataque. p. 88.
- Um dos mais poderosos instrumentos de que dispõe um príncipe contra a conspiração é não ser odiado pela universalidade, visto que o conspirador sempre acredita poder satisfazer o povo com a morte do príncipe. p. 88.
- Quem conspira não pode agir sozinho, nem buscar aliança senão com quem julga descontente. p. 88.
- Aquilo que um conspirador tem a temer antes da execução do mal deve temê-lo mais ainda após o delito, se tiver como inimigo o povo e não puder, por isso, esperar refugio algum. P. 89.
- Um príncipe deve valorizar os grandes, mas não se fazer odiar pelo povo. p. 91.
- Enquanto nos demais principados basta lutar contra a ambição dos grandes e a insolência do povo, os imperadores romanos tinham uma terceira dificuldade a enfrentar: a crueldade e a ganância dos soldados. p. 91.
- Não podendo os príncipes deixar de ser odiados por alguém, devem, em principio, esforçar-se para não serem odiados pela comunidade e quando não o conseguem, devem se empenhar com todo engenho para evitar o ódio. p. 92.
- Os imperadores que tinham necessidades de favores extraordinários inclinavam-se mais porá os soldados que para o povo. p. 92.
- O ódio é provocado tanto pelas boas quanto pelas más ações. p. 92.
- Embora o príncipe seja novo, as instituições do estado são antigas e ordenadas de modo a recebê-lo como se fosse seu senhor hereditário. p. 97.
CAP. XX
SE AS FORTALEZAS E MUITAS OUTRAS COIAS QUE OS PRÍNCIPES FAZEM DIARIAMENTE SÃO ÚTEIS OU NÃO
- Para manter com segurança o seu estado, alguns príncipes desarmaram seus súditos, outros mantiveram os territórios divididos, alguns fomentaram inimizades contra si mesmos, outros procuraram conquistar os que lhes pareciam suspeitos no início de seu governo, alguns construíram fortalezas, outros as arruinaram e destruíram. p. 99.
- Jamais existiu um príncipe novo que desarmasse os seus súditos; pelo contrário, encontrando-os desarmados, sempre os arma, porque, ao lhes dar armas, estas armas tornam-se tuas; tornam-se fiéis os que te eram suspeitos, conservam-se leais o que já o eram e transformam-se os súditos em teus partidários. p. 99.
- Por isso um príncipe novo, em principado novo, sempre cria exércitos; as histórias estão repletas de exemplos disso. p. 100.
- Quando um príncipe conquista um estado novo, que é anexado ao seu estado antigo, faz-se necessário desarmar aquele estado, exceto os que te apoiaram na conquista. p. 100.
- Não creio que as divisões tragam jamais algum bem. p. 100.
- Quando o inimigo se aproxima, as cidades divididas costumam render-se logo, porque sempre a parte mais fraca se alia às forças externas e a outra não pode governar. p. 100.
- Sem dúvida, os príncipes se tornam grandes quando superam as dificuldades e oposições que lhes são feitas. p. 101.
- A fortuna cria-lhe inimigos e movimentos de oposição para que ele tenha oportunidade de superá-los e possa, por meio da escada colocada por seus inimigos, subir mais alto. p. 101.
- Tem sido costume dos príncipes, para manter com maior segurança o seu estado, construir fortalezas que sejam o bridão e freio dos que pretenderem opor-se a eles, alem de construírem um refugio seguro contra um ataque repentino. Aprovo este método, porque foi usado pelos antigos. p. 102.
- O príncipe que estiver mais medo do povo que dos estrangeiros deverá construir fortalezas; mas o que tiver mais medo de estrangeiros que do povo, deve deixá-los  da lado. p. 103.
- A melhor fortaleza que existe é não ser odiado pelo povo, porque ainda que tenhas fortaleza, se o povo te odiar, ela são te salvarão, pois jamais faltam aos povos sublevados estrangeiros que os auxiliem.  p. 103.  
CAP. XXI
O QUE CONVÉM A UM PRÍNCIPE PARA SER ESTIMADO
- Nada torna um príncipe tão estimado quanto realizar grandes empreendimentos e dar de si raros exemplos. p. 105.
- Quando acontecer de alguém realizar uma coisa extraordinária, para o bem ou para o mal, na vida civil, deve-se encontrar um modo ou de premiá-lo ou de puni-lo que seja bastante comentado. p. 106.
- Acima de tudo, um príncipe deve procurar dar de si, em cada uma das suas ações, uma imagem de grandiosidade e de excelente engenho. p. 106.
- Um príncipe também é estimado quando é um verdadeiro amigo ou um verdadeiro inimigo, isto é, quando sem temor algum, declara-se a favor de um e contra outro. p. 106.
- O vencedor não vai querer amigos suspeitos que não o ajudaram na adversidade ao passo que o perdedor te rejeitará porque não quiseste, com as armas em punho, partilhar da sua sorte. P. 106.
- Foi Antioco chamado à Grécia pelos etólios para expulsar os romanos. Enviou então embaixador junto aos aqueus – que eram amigos dos romanos – para persuadi-los à neutralidade, enquanto, por outro lado, os romanos os incitavam a tomar armas. p. 107.
- Os que não são teus amigos sempre te pedirão neutralidade. p. 107.
- Os príncipes irresolutos que, para fugir dos perigos imediatos, seguem o mais das vezes as vias da neutralidade, quase sempre se arruínam. p. 107.
- Deve-se acentuar que um príncipe deve estar atento para não fazer jamais aliança com alguém mais poderoso do que ele. p. 108.
- [...] príncipes devem evitar ao máximo está sob dependência de outros. p. 108.
- A prudência consiste em saber reconhecer a natureza dos inconvenientes e tomar os menos maus como satisfatórios. p. 108.
- deve um príncipe ainda mostra-se amante da virtù, abrigando os homens valorosos e honrando os excelentes; deve estimular os seus concidadãos a desenvolverem suas atividades tanto no comércio como na agricultura ou em qualquer outro ramo; deve proporcionar prêmios a qualquer um que intente melhorar sua cidade e seu estado. Deve, ademais, manter o povo entretido com festas e espetáculos, nas épocas convenientes do ano. p. 109.

CAP. XXII
DOS SECRETÁRIOS QUE OS PRÍNCIPES MANTÊM JUNTO DE SI
- Há um modo infalível pelo qual um príncipe pode conhecer um ministro. Quando vês que um ministro pensa mais em si mesmo do que em ti e, em todas as ações, busca primeiro o seu próprio benefício, jamais será um bom ministro, e nunca poderás confiar nele, pois que tem em suas mãos o estado de outro não deve jamais pensar em si mesmo, mas no príncipe, nem ocupá-lo com coisas que não lhe diga respeito.
- O príncipe, para conservar sua lealdade,deve pensar no ministro, concedendo-lhe horárias e riquezas, obsequiando e compartilhando com ele as horas e funções [...] Portanto, enquanto os ministros agirem assim em relação aos príncipes e estes em relação aos ministros, poderão ambos confiar um no outro; caso contrário, sempre haverá um fim mau para um deles. p. 112.
CAP. XXIII
COMO EVITAR OS ADULADORES
- Não quero deixar de abordar um ponto importante e um erro do qual os príncipes dificilmente se defendem, quando não são muito prudentes e não sabem escolher bem. Trata-se dos aduladores. p. 113.
- Não há outro modo de proteger-se dos aduladores senão fazendo os homens entenderem que não te ofendem ao dizerem a verdade. p. 113.
- Deve, portanto, um príncipe prudente conduzir-se de um terceiro modo, escolhendo em seu estado homens sábios e somente a estes concedendo livre arbítrio para lhe dizer a verdade, e apenas sobre as coisas que o príncipe lhes perguntar, mais nada. p. 113.
- Deve o príncipe, porem, indagar-lhes sobre todas as coisas, e ouvir a sua opinião, para depois deliberar por si mesmo e ao seu modo. Deve, em relação a esses conselhos e a cada um dos seus conselheiros, portar-se de tal modo que todos saibam que, quanto mais livremente se expressar, tanto mais lhes será o príncipe agradecido; além deles, não deve ouvir mais ninguém; deve seguir as decisões tomadas e ser obstinado em suas deliberações. Quem age de outro modo é arruinado pelos aduladores ou muda constantemente de opinião, do que lhe resulta pouca estima. p. 113-114.
- Um príncipe, portanto, deve sempre procurar conselhos, mas quando ele próprio quer, e não quando os outros querem. [...] Deve também perguntar muito e, depois, ouvir pacientemente a verdade sobre as coisas indagadas. p. 114.
- [...] a regra geral que jamais falha é: se um príncipe não for sábio por si mesmo, não poderá ser bem aconselhado, a menos que a sorte o ponha nas mãos de um só homem muito prudente, que o oriente em tudo. p. 14-15.
- [...] aconselhando-se com vários, um príncipe que não seja sábio não poderá ,jamais unificar os conselhos, nem saberá por si mesmo integrá-los; cada um dos conselheiros vai agir de acordo com seus interesses, e ele não vai poder saber nem corrigir isso. p. 115.
- [...] os homens sempre te revelarão maus, se não forem forçados pela necessidade de serem bons. Daí se segue conclui que os bons conselhos, venham de onde vierem, devem brotar da prudência do príncipe, e não a prudência do príncipe dos bons conselhos. p. 115.
CAP. XXIV
POR QUE RAZÕES OS PRÍNCIPES DA ITÁLIA PERDERAM SEUS ESTADOS
- Um príncipe novo é muito mais observado em suas ações do que um hereditário e, quando suas virtudes são conhecidas, atrai um numero muito maior de súditos e muito maior lealdade do que a antiguidade do sangue. p. 117
- Os homens se ligam muito mais às coisas presentes do que às passadas e quando encontram o bem no presente apreciam-no e não procuram outra coisa. p. 117.
- Assim, terá o príncipe gloria dobrada: a de ter fundado um principado novo e a de tê-lo ornado e consolidado com boas leis, boas armas e bons exemplos; como também terão vergonha em dobro os que, tendo nascido príncipes, perderem seu reino devido à pouca prudência. p. 117.
- É um defeito comum entre os homens não levar em conta a tempestade durante a bonança. Quando chegam os tempos adversos, pensam em fugir e não em defender-se. p. 118.
- [...] não deves jamais quere cair por acreditar que encontrarás alguém para te reerguer, coisa que ou não acontece ou, quando acontece, não atribui para a tua segurança, pois esta defesa é vil e não depende de ti. Certamente, as defesas só são boas, seguras e duráveis quando dependem de ti mesmo e de tua virtù. p. 118.


CAP. XXV
DE QUANTO PODE A FORTUNA NAS COISAS HUMANAS E DE QUE MODO SE PODE RESISTIR-LHE
     - Julgo possível ser verdade que a fortuna seja arbítrio de metade de nossas ações, mas que também deixe ao nosso governo a outra metade, ou quase. p. 119.
- Comparo a sorte a um desses rios impetuosos que, quando se irritam, alagam as planícies, arrasam as árvores e as casas, arrastam terras de um lado para levar a outro: todos fogem deles, mas cedem ao seu ímpeto, sem poder detê-lo em parte alguma. p. 119.
- Nada impede que, voltando a calma, os homens tomem providências, construam barreiras e diques, de modo que, quando a cheia se repetir, ou o rio flua por um canal, ou sua força se torne menos livre e danosa. p. 119-120.
- O mesmo acontece com a fortuna que demonstra a sua força onde não encontra uma virtù ordenada, pronta, para lhes resistir e volta o seu ímpeto para onde sabe que não foram erguidos diques ou barreiras para contê-la. p. 120.
- [...] um príncipe que se apóia exclusivamente sobre a fortuna se arruína quando ela varia. Creio que ainda feliz aquele que combina o seu modo de proceder com as exigências do tempo e, similarmente, que são infelizes aqueles que, pelo seu modo de agir, estão em desacordo com os tempos. p. 120.
- Se um príncipe se conduz com prudência e paciência, e os tempos e as coisas contribuírem para que o seu governo seja bom, será bem sucedido; mas,se mudarem os tempos e as coisas e ele não mudar o seu modo de proceder, então se arruinará. p. 121.
- É melhor ser impetuoso do que tímido, porque a fortuna é mulher, e é necessário, para dominá-la, bater-lhe e contrariá-la. Vê-se que ela se deixa vencer mais pelos que agem friamente; e, como mulher, é sempre amiga dos jovens, porque são menos tímidos, mais ferozes e a dominam com maior audácia. p. 122.
CAP. XXVI
EXORTAÇÃO A TOMAR A ITÁLIA E LIBERTÁ-LA DAS MÃOS DOS BÁRBAROS
- Coisa alguma honrará tanto um novo governante quanto as novas leis e um novo regime por ele criado. p. 125.
- querendo [...] seguir o exemplo daqueles homens excelentes que redimiram seus estados, será necessário, antes de tudo, como verdadeiro fundamento de qualquer empresa, formar exércitos próprios, porque não pode haver soldados mais fiéis, nem mais verdadeiros, nem melhores. p. 125-126.
- Se cada um deles individualmente for bom, todos juntos ainda serão melhores quando se virem comandados por seu príncipe, prestigiados e cuidados por ele. p. 126.
 - É preciso, portanto, preparar esses exércitos para poder, com a virtù italiana, defender-se dos estrangeiros. p. 126.

NOTAS

[1] Liberdade aqui significa “sob o regime republicano”
[2] Essa destruição corresponde a algo bem preciso... “edificar novas cidades, desfazer as velhas, mudar os habitantes de um lugar para outro, em suma, não deixar alguma coisa intacta”.
[3] Soldados auxiliares são aqueles que um príncipe ou uma republica envia em tua ajuda, capitaneados e pagos por eles. (cf. nota 1 do cap. XII).
[4] Contratar os godsos foi o inicio da ruína de Roma. A pratica começou com Valente em 376, e continuou com Teodósio, em 382.
[5] Verità effettuale della cosa, expressão famosa com que Maquiavel marca a sua separação dos pensadores políticos anteriores.
[6] Após denunciar a ineficácia do discurso tradicional, tachado de imaginário, e oposto à “verdade efetiva das coisas”, ele se volta para o problema da imagem do príncipe, de sua “fenomenologia” e não do que ele seja em si mesmo. 
[7] Que rouba; rapinador. Ávido de lucro

sábado, 29 de maio de 2010

FICHAMENTO DO LIVRO "HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA" DE GIOVANE REALE


FICHA BIBLIOGRÁFICA: REALE, Giovane. História da filosofia antiga. Trad. Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1993 – (série história da filosofia)

DAS ORÍGENS A SÓCRATES 

Se para todos os outros componentes da civilização grega encontra-se idêntico correlativo junto a outros povos do oriente, não se encontra, ao invés correlativo da filosofia, ou pelo menos algo assimilável. p.11
Com a invenção da filosofia os gregos dão à civilização que ela ainda não tinha. p.11
Que os gregos tenham derivado suas primeiras cognições matemáticas e geométricas dos egípcios está fora de dúvida, mas por obra dos gregos elas se transformaram radicalmente. p.16
As assimilações de elementos e de impulsos culturais vindos do oriente não podem enfraquecer de modo algum o mérito da originalidade de pensamento grego. Ele operou a passagem decisiva da tendência utilitária e do mito à ciência desinteressada e pura: ele é o verdadeiro criador da ciência como sistema lógico e do filosófico como consciência racional e solução dos problemas da realidade universal e da vida. p.17-18.
Os poemas homéricos foram decisivos para a fixação de determinada concepção dos deuses e do divino e também para a fixação de alguns tipos fundamentais de vida e de caracteres éticos do homem, os quais se tornaram verdadeiros paradigmas. p. 20.
Pode-se dizer que para o homem homérico e para o homem grego filho da tradição homérica, tudo é divino, no sentido de que tudo o que acontece é obra dos deuses. p. 21.
Os trovões e os raios são lançados por Zeus do alto do Olimpo; as ondas do mar são levantadas por Posseidon; o sol é carregado pelo áureo carro de Apolo, e assim por diante. p. 21.
Mas quem são os deuses? São forças naturais diluídas em formas humanas idealizadas. São aspectos do homem sublimados, hipostasiados; são forças do homem cristalizadas em belíssimas figuras. Em suma, são homens amplificados e idealizados; são quantitativamente superiores a nós, mas não qualitativamente diferentes. p. 21.
Na religião naturalista dos gregos, o cumprimento dos seus deveres religiosos consistia essencialmente disso: que o homem faça em honra da divindade, o que é conforme com sua natureza. p. 22.
Os gregos não possuíam livros tidos como sagrados, ou fruto de divina revelação; ele não tinham uma dogmática teológica fixa e imodificável (nessa matéria as fontes principais eram os poemas homéricos e a teogonia de Hesíodo). p. 23
Os órficos consideravam como fundador do seu movimento o mítico poeta da Trácia, Orfeu, e dele derivam o nome. p. 23
O orfismo despreza o corpo como cárcere e grilhão da alma. p. 23-24.
O núcleo fundamental das crenças ensinadas pelo orfimos consiste nas seguintes pressuposições: no homem vive um princípio divino, um demônio caído num corpo por causa de uma culpa originária; esse demônio preexistente no corpo é imortal e, portanto, não morre com o corpo, mas é destinado a emanar-se sempre de novo em corpos sucessivos através de uma série de renascimento para espiar sua culpa; a vida órfica com suas práticas de purificação é a única das reencarnações; por conseqüência quem vive a vida órfica (os iniciados) goza, depois da morte, do merecido prêmio no além (a libertação), para os iniciados não há punição. p. 24
Com o orfismo nasce a primeira concepção dualista da alma (demônio) e corpo (lugar de expiação da alma); pela primeira vez o homem vê contrapor-se dois princípios em luta um contra o outro, justamente por que o corpo é visto como cárcere e lugar de punição do demônio. p. 24
Com a criação da pólis o grego não sentiu mais nenhuma antítese entre o individuo e o estado e nenhum limite à própria liberdade e, ao contrário, foi levado a compreender-se como essencialmente como cidadão de determinado Estado, de determinada pólis. p. 26
O Estado se tornou e se manteve até a era helenística como o horizonte do homem grego, e portanto, os fins do Estado foram sentidos pelos cidadãos individuais como os seus próprios fins, o bem do Estado como o próprio bem, a grandeza do próprio Estado como a própria grandeza, a liberdade do próprio Estado como a própria liberdade. p. 26
No progresso da civilização grega, anterior ao surgimento da filosofia, dois fatores políticos se sobressaíram sobre os outros: o nascimento de ordenamentos republicanos e; a expansão dos gregos para o oriente e para o ocidente com a formação das colônias. p. 26
Esses dois fatores foram decisivos para o surgimento da filosofia. O primeiro: nos esforços e nas lutas dessa revoluções políticas [que levaram os gregos das velhas formas aristocrática de governo às formas republicanas e democráticas] todas as forças deviam ser despertadas e exercitadas; a vida pública abria passagem à ciência e o sentimento da jovem liberdade devia dar ao espírito do povo grego o impulso, do qual não podia ficar de fora a atividade científica. p. 26
A cultura é, entre os gregos, plenamente e de maneira mais aguda o que ela seria em qualquer vida sadia de um povo: ao mesmo tempo fruto e condição da liberdade. p. 26
A filosofia nasce antes nas colônias que na mãe pátria; nasce nas colônias do oriente da Ásia Menor e depois nas colônias da Itália meridional, só mais tarde refluindo para a mãe pátria. p. 27
Por que isso aconteceu? Porque como há tempo se notou, as colônias puderam com sua operosidade e com seu comércio alcançar o bem-está e, portanto, a cultura. p. 27
Foram as condições sócio-econômicas mais favoráveis das colônias que permitiram o nascimento e o florescimento nelas da filosofia, a qual tendo passado depois a mãe pátria alcançou os mais altos cimos em Atenas, isto é, na cidade onde existiu, como o próprio Platão reconheceu, a maior liberdade da qual os gregos gozavam. p. 27
A partir do seu nascimento, a ciência filosófica apresentou de modo nítido, as seguintes características, que dizem respeito respectivamente A) ao seu conteúdo, B) ao seu método e C) ao seu escopo. p. 28
A)    Quanto ao seu conteúdo, a filosofia quer explicar a totalidade  das coisas, ou seja, toda a realidade, sem exclusão de partes ou de momentos dela, distinguindo-se assim das ciências particulares, que ao invés, limitam-se a explicar determinados setores. p. 28
B)    Quanto ao método, a filosofia quer ser a explicação puramente racional da totalidade que é o seu objeto. O que vale em filosofia é o argumento de razão, a motivação lógica: é numa palavra, o logos. Não basta à filosofia constatar, verificar dados de fato, coletar experiências para encontrar as suas razões, a causa, o principio. E é este caráter que confere cientificidade à filosofia. Tal caráter é comum também às outras ciências, as quais, exatamente como ciências, nunca são apenas constatação e verificação empírica, mas são sempre busca de causas e de razões. A diferença está em que, enquanto as ciências particulares são buscas de causas de realidades particulares, ou de setores de realidade particulares, a filosofia é, ao invés, busca de causas e princípios de toda a realidade. p. 29
C)    Enfim, devemos esclarecer qual é o escopo da filosofia. E sobre esse ponto, Aristóteles explicou melhor que: “a filosofia tem um caráter puramente teórico, ou seja, contemplativo: ela visa simplesmente a busca da verdade por si mesma; prescindindo das suas utilizações práticas. p. 29
Aristóteles refere na obra A metafísica: “assim, se os homens filosofaram para libertar-se da ignorância, é evidente que buscaram o conhecimento só com a finalidade de saber e não para alcançar alguma utilidade prática”. p 29
“Todas as outras ciências serão mais necessárias que esta, mas nenhuma lhe será superior” (Aristóteles). p 30
Num primeiro momento, a totalidade do real, a physis, foi vista como cosmo, e, portanto, o problema filosófico, por excelência foi o problema cosmológico, que absorve toda a primeira fase da filosofia grega. p. 32
Mas com os sofistas o quadro muda: a problemática do cosmo por razões que explicaremos e a totalidade que atraia a atenção é o homem. Por isso a filosofia dos sofistas e de Sócrates concentrará a própria atenção na natureza do homem e da sua virtude ou Arete, de onde nascerá o problema moral. p. 32
A filosofia grega tem uma historia mais milenar: parte do sec. VI a.C. e alcança 529 anos d. C, ano em que, por vontade do imperador Justiniano, foram fechadas as escolas pagãs, destruídas suas bibliotecas e dispersos os seus seguidores. p. 35


PRIMEIRA PARTE

OS FILÓSOFOS NATURALISTAS JÔNICOS E ITÁLICOS
OS PROBLEMAS DA PHYSIS, DO SER E DO COSMO


A teogonia de Hesíodo narra o nascimento de todos os deuses; e, dado que alguns desses deuses coincidem com partes do universo e com fenômenos do cosmo, alem de teogonia se tornava também cosmogonia, ou seja, explicação fantástica da genes do universo e dos fenômenos cósmicos. p. 41
Hesíodo imagina ter tido, aos pés de Hélicon, na Beócia uma visão das musas, e ter recebido delas a revelação da verdade, da qual ele se fez imediatamente arauto. Em primeiro lugar diz, diz ele, gerou-se o Caos, em seguida gerou-se Gea (a terra) em cujo seio amplo estão todas as coisa, e nas profundidades da Terra gerou se o Tártaro escuro, e por fim, Eros (o amor) que, depois, deu origem a toda as outras coisas. Do Caos nasceram Êrebo e Noite, doa quais se geram o Éter (o Céu superior) Êmera (o dia). E da terra sozinha se geraram Urano (o Céu estrelado), assim como o mar e os montes; depois, juntando-se com o Céu, a Terra gerou Oceano e os rios. p. 41 
Procedendo do mesmo estilo, Hesíodo narra a origem dos vários deuses e numes divinos. Zeus pertence a ultima geração: de fato, foi gerado de Crono e de Rea (que, por sua vez, tinham sido gerados de Terra e urano); e, como Zeus, fazem parte de ultima geração todos os outros deuses do Olimpo homérico, valer dizer, os deuses que o grego não venerava. p. 41
Desde o seu nascimento, a filosofia irá contra a fantasia, a imaginação e os sentidos e inferirá suas figuras especulativas com a força do logos, contestando o mito e as experiências sensíveis e criando algo completamente novo. p. 43.
O imã possui uma alma, porque é capaz de mover, portanto, a Alma é princípio de movimento. p. 50.
Foi Anaximandro que introduziu o termo arché para designar o primum, a realidade primeira e ultima das coisas. p. 52
Anaximandro defendia que o princípio de tudo era o Ápeiron, o infinito ou ilimitado. p. 52.
Todas as coisas são ou princípio, ou do princípio: e do infinito não há principio, portanto teria um limite. O que é gerado deve ter um fim e o fim é próprio de toda dissolução. p. 53.
Segundo Anaximandro, os primeiros animais nasceram no elemento liquido, cobertos por uma capa espinhosa; tendo crescido em idade, deixaram a água e vieram para o seco, e tendo se rompido a capa que os cobria, pouco depois mudaram o seu modo de viver. Assim de animais mais simples nasceram animais mais complexos, que foram progressivamente transformando-se e adaptando-se ao ambiente. p. 57
Para Anaxímenes o Ar é o princípio de todas as coisas; tudo o que existe origina-se do ar e de suas diferenciações. p. 58
O Ar se diferencia nas varias substâncias segundo o grau de rarefação e condensação: e assim dilatando da origem ao vento e depois as nuvens; e em grau maior de densidade forma a água, depois a terra e em seguida as pedras; as outras coisas derivam depois destas. p. 59
Característica do Ar: quando ele é absolutamente uniforme, é invisível; torna-se visível com o frio, com  quente, com a umidade e com o movimento. p. 60.
O Ar é concebido por Anaxímenes como naturalmente dotado de movimento. p. 61
Heráclito: em primeiro lugar chamou a atenção para a perene mobilidade de todas as coisas que são: nada permanece imóvel e nada permanece e estado de fixidez e estabilidade, mas tudo se move, tudo muda, tudo se transforma, sem cessar e sem exceção. p. 64.
Heráclito para exprimir esta verdade, valeu-se da imagem do fluir de um rio, em fragmentos que se tornaram célebres: “de quem desce ao mesmo rio vêm ao encontro águas sempre novas”; “não se desce duas vezes ao mesmo rio por causa da velocidade da mudança, dispersa-se e recolhe-se, vem e vai”. p. 64
Somo e não somos, porque, para ser o que somos em dado memento, devemos não ser mais aquilo que éramos no precedente momento. Assim, como para continuar a ser devermos logo não ser mais aquilo que somos neste momento. p. 64.
O devir é um continuo conflito dos contrários que se alternam, é uma perene luta de um contra o outro em uma guerra perpetua. p. 65.
O devir é harmonia ou síntese dos contrários. p. 65.
Para Heráclito o fogo é a origem de toda as coisas. O fogo com efeito é perenemente móvel, é vida que vive da morte do combustível, é incessante transformação em fumaça e cinza. p. 68.
Com os pitagóricos passamos da Jônia à Itália meridional. Aqui a filosofia cria uma nova têmpera; aperfeiçoa-se e chega a tocar os limites extremos do horizonte da physis aberto pelos jônicos. p. 75.
A escola fundada por Pitágoras, não tinha como escopo a pesquisa cientifica, mas a realização de determinado tipo de vida. Ela nasceu como confraria, ou ordem religiosa, organizada segundo regras bem precisas de convivência. p. 76.
   O primeiro pitagórico a ter uma obra publicada foi Filolau, que viveu no tempo de Sócrates. p. 76.
Os pitagóricos viram nos números pares uma espécie de florescimento do elemento indeterminado, e nos ímpares um espécie de florescimento do elemento determinado. p. 82.
Com o numero par o processo de divisão, simbolizado pela flecha, não encontra de algum modo um limite ao infinito. p. 83.
Ao contrario em cada numero impar a divisibilidade encontra o ponto de parada na unidade que justamente, torna impar o numero. p. 83.
Para os pitagóricos a ordem diz número e o número diz racionalidade, cognoscibilidade e permeabilidade ao pensamento. p. 85.
Afirmou Filolau: “todas as coisas conhecidas possuem número; sem este, não seria possível pensar nada, nem conhecer”. p. 85.
A natureza do mundo não acolhe em si nenhuma mentira, nem harmonia; a falsidade não tem nada em comum com eles. Mentira e inadequação são próprias da natureza do indeterminado, do inteligível e do irracional. p. 86.
Portanto, domínio do numero significa domínio da racionalidade e da verdade. p. 86.
Do caos hesiodiano passamos ao cosmo: graças aos pitagóricos, o homem ganhou novos olhos para ver o seu mundo. p. 86.
Pitágoras foi o primeiro a ensinar a doutrina da metempsicose, doutrina segundo a qual a alma é constrangida a reencarna-se muitas vezes em sucessivas existências corpóreas, não só em forma de homem, mas também em diversas formas de animais, para explicar uma culpa originária cometida. p. 87.
Viver e função da alma significa viver uma vida que seja capaz de purificá-la, ou seja, viver uma vida que seja capaz de desatá-la dos laços que por culpa própria ela contraiu com o corpo. p. 88.
Os órficos sustentavam que os meios de purificação eram as celebrações e as práticas religiosas dos sagrados mistérios, e, portanto, permaneciam ligadas à mentalidade mágica, confiando-se quase que inteiramente ao taumaturgo poder dos ritos. p. 88.
Os pitagóricos foram, assim, os iniciadores do tipo de vida chamado de bios theoretikós, vida contemplativa, e que foi também simplesmente chamado de vida pitagórica. p. 89.
Os pitagóricos atribuíram à ciência a vida de purificação. p. 88.
Xenófanes nasceu na Cólofon jônica, provavelmente em torno a 570 a. C. mas transferiu-se muito cedo para as colônias ocidentais e viveu na Sicília e na Itália meridional, e continuou por toda a vida a vagar, cantando as próprias composições poéticas. p. 97.
É impossível que os deuses nasçam, porque se nascem também morrem. p. 99.
Ser e não-ser no contexto do discurso parmenidiano são tomados no seu significado Integral e unívoco: o ser é puro positivo e o não-ser o puro negativo, ou, melhor ainda, o ser é o puro positivo absolutamente privado de qualquer negatividade e, ao contrário, o não-ser é o absoluto contraditório desse absoluto positivo. p. 108.
O princípio de não contradição é aquele que afirma a impossibilidade de os contrários coexistirem simultaneamente. p. 108.
Os dois contraditórios são o ser e o não- ser. p. 108.
Zenão de Eléia: argumento de Aquiles: o movimento é de tal modo absurdo que, se por hipótese, nós o concedêssemos, e puséssemos Aquiles de pés-velozes a perseguir uma tartaruga, ele jamais a alcançaria. p. 119.
Aquiles deveria primeiro chegar ao ponto em que a tartaruga se encontrava na partida, depois, depois ao ponto em que ela se encontrasse quando ele alcançasse o seu ponto de partida, depois ao ponto no qual ela se encontrasse quando ele tivesse alcançado o segundo, e assim ao infinito. p. 119.
O que persegue deve sempre começar por atingir o ponto donde partiu o que foge. p 120.
Argumento da flecha: uma flecha que se acredita está em movimento, na verdade está parada. De fato, em cada um dos instantes em que é divisível o tempo de vôo, a flecha ocupa um lugar idêntico a ela mesma, mas o que ocupa um ligar idêntico a si está em repouso, portanto,  a flecha como está em repouso em cada um dos instantes, assim o está também na totalidade deles. p. 120.
Argumento do estádio: o que se move não se move nem lugar em que está nem lugar em que não está. p. 121.
Não se move no lugar em que está porque se está no lugar em que está, está parado; não se move no, lugar em que não está, por que não está; portanto o movimento é impossível. p. 121.
Melisso de Samos: pode ser definido como o sistematizador do pensamento eleata. Procurou dar forma sistemática  à doutrina. Deduzir com rigor todos os atributos e corrigir o que não se enquadrava nos fundamentos do sistema. p. 125.
Melisso afirma que o ser é infinito. Ao contrario de Parmênides que diz que é finito. p. 126.
O ser é uno por que é infinito. Se é infinito deve ser uno. De fato se fosse dois não poderia ser infinito, mas um teria um limite n outro. (este é um dos argumentos que a teologias cristã usará para demonstrar a unicidade de Deus) p. 127.
Não existe nenhum vazio: de fato, o vazio é nada; e o que é nada não, pode ser. E o ser também não se move; de fato, não pode deslocar-se para algum lugar, mas é pleno. Com efeito, se existe o vazio, ele poderia deslocar-se no vazio; mas como não existe vazio, não há para onde ele possa deslocar-se. p. 127.
O eleatismo a firma um ser eterno, infinito, uno, igual, imutável, incorpóreo, que exclui qualquer possibilidade de um múltiplo. p. 129.
Nascimento e morte são misturas e dissoluções de determinadas substâncias ingênitas e indestrutíveis, isto é, substâncias que permanecem eternamente iguais. Essas substâncias são precisamente quatro: fogo, água, éter ou ar e terra. (Empédocles chama essas substâncias de “raízes de todas as coisas”) p. 134.
Predominando o amor as coisas unem-se, predominando o ódio, separam-se e entrelaçando os influxos do amor e do ódio nascem as coisas. p. 136.
Anaxágoras de Clazômenas: nasceu em Clazômenas, provavelmente em torno a 500 a. C. segundo as informações que fornecem Diógenes Laércio. Deve ter morrido e torno a 428 a.C. p. 143.
Anaxágoras talvez tenha sido o primeiro filósofo a levar a filosofia a Atenas. Permaneceu em Atenas ao que parece por 30 anos. Em Atenas foi processado por impiedade; escreveu uma obra intitulada “sobre a natureza”. p. 143.
Anaxágoras, como Empédocles, tenta manter firme o principio eleata da permanência do ser. p. 143.
Os gregos não consideraram corretamente o nascer e o morrer: nada, de fato, nasce, ou morre, mas a partir das coisas que são se produz um processo de composição e divisão; assim, pois deveriam corretamente chamar o nascer  de compor-se  e o morrer, dividir-se. p. 143.
Não se chega nunca ao nada que não é, (o que é não pode nunca não ser). p. 144.

Os atomistas 

Leucipo: especula-se que tenha sido um pouco mais jovem que Anaxágoras e, portanto, da mesma idade ou um pouco mais jovem que Empédocles. p. 51.
Demócrito: nasceu em Abdera em 460 a. C.; realizou longas viagem no oriente, visitando o Egito, a Ásia Menor e a Pérsia com finalidades científicas, dilapidando quase totalmente os recursos deixados por seu pai. p. 151-152 
Leucipo concebe que o vazio é não-ser e que do Ser nada é não-ser, pois o ser em sentido próprio é absolutamente pleno. Mas esse absolutamente pleno não é uno, antes, um infinito número de corpos, invisíveis pela pequenez de seu volume. E estes corpos estão em movimento no vazio (para ele, de fato, existe o vazio) e reunido-se dão lugar à geração e, separando-se à destruição. p. 152-153.  
Em termos de pleno e vazio Leucipo construiu sua concepção de átomo e ligou e ligou a possibilidade de movimento ao vazio. p. 154.
Os átomos dos abderianos trazem em si selo típico do pensar helênico: é átomo forma; átomo que se diferencia dos outros átomos pela figura, ordem e posição, e átomo eideticamente pensado e representado. p. 154. 
O átomo é invisível pela sua pequenez, afirmada como conseqüência da sua indivisibilidade. É difícil declarar indivisível o que é perceptível aos sentidos e, portanto, pode-ser considerado suscetível de fragmentação em partes. Em que sentido visível? Visível só à visão do intelecto. O intelecto abstrato que parte do visível corpóreo, indo sempre mais além até onde os sentidos não podem mais chegar, encontra o seu termo final num mundo quintessenciado e despotenciado, que é a analogia do visível corpóreo. p. 155.
Os atomistas derivam todas as determinações qualitativas fenomênicas de determinações quantitativas geométricas. Na filosofia moderna qualidades primárias são aquelas geométrico-mecânicas que caracterizam os átomos. Qualidades secundárias são aquelas fenomênicas manifestações derivadas do encontro dos átomos, assim como da relação das coisas com os nossos sentidos. p. 156.
Nascimento e morte, geração e corrupção são negados pelos atomistas: o nascer é um agregar-se dos átomos, o morrer é um desagrega-se ou dissociar-se dos compostos atômicos, sem que em tais processos nada derive de nada ou termine no nada. p. 156.
Leucipo diz que tudo acontecesse conforme a necessidade e que esta corresponde ao fato. Diz, com efeito, no seu livro sobre a inteligência: “nada se produz sem motivo, mas tudo com uma razão e necessariamente”. p. 158.
Do pensamento de Demócrito: “Os homens se tornam felizes nem pelos dotes físicos, nem pela riqueza, mas pela retidão e pela prudência.” p. 162.


SEGUNDA PARTE

OS SOFISTAS: DA FILOSOFIA DA NATUREZA À FILOSOFIA A MORAL


O antecedente da cosmologia filosófica foram as teogonias, obra de poetas. Assim também o antecedente da filosofia moral, a reflexão ética pré-filosófica, foi expressa sobretudo pelos poetas e, em parte, alimentada também pelos legisladores. p. 179.
Uma coisa é moralidade ou conduta moral; outra coisa são as convicções morais; outra coisa ainda é a filosofia moral. p. 179.
A primeira todos os homens a possuem indistintamente, mesmo os primitivos e os selvagens. De fato, não é possível viver sem se comportar de determinados modos, que por mais rudes ou primitivos que sejam, subsistem e são bem reconhecíveis; a segunda se constitui, em primeiro lugar, do núcleo familiar, depois dos ambientes freqüentados e, em geral da sociedade em que se vive. Mesmo o homem primitivo à medida que tem de respeitar e sabe que deve respeitar regras de convivência com a família e com a tribo, modo de se comportar com o inimigo etc.; a terceira: no nível da filosofia moral, a razão vai além do particular, busca estabelecer não regras que valham para casos particulares, mas, em geral, buscam estabelecer nexos e ligações universais e necessários. p. 179-180.
Lugar relevante na formação das convicções morais e no desencadeamento de reflexões éticas tiveram, em primeiro lugar, os poemas homéricos. p. 181.
Na odisséia, ademais, parece que já se delineia, embora de modo rudimentar, uma concepção ética mais geral, segundo a qual  homem reverente e obediente aos deuses tem sempre vantagem sobre os homens prepotentes e maus, os quais não podem fugir a uma vingança divina. p. 181.
“sela os discursos com o silencio e o silêncio com as oportunidades” (Sólon) p. 183.
Para que nascesse a filosofia moral era preciso que o homem como tal se tornasse objeto de reflexão da filosofia; era preciso que fosse determinados a essência e o significado do homem enquanto homem; era precisa que desta essência se deduzisse o conceito de Areté; enfim era preciso que se provasse sistematicamente a tabua dos valores tradicionais e se acertasse teoricamente a sua consistência. p. 186.
E esta foi a grande obra que os sofistas iniciaram e que Sócrates levou a termo, como veremos. p.186.
Aristóteles refere que “a sofistica é uma sabedoria aparente, não real; o sofista é um mercador de sabedoria aparente, não real” p. 190
Para os sofistas o homem e suas criações intelectuais estão no centro da reflexão... também para eles vale aquilo que Cícero diz de Sócrates: “ele fez descer a filosofia do céu sobre a terra, introduziu, introduziu-a nas cidades e nas casas e obrigou-a a refletir sobre a vida e os costumes, sobre o bem e o mal. p. 192.
Os temas dominantes na especulação sofística tenham se tornado a ética, a política, a retórica, língua, a arte, a religião, a educação, tudo aquilo que hoje nós chamamos de cultura humanista. p. 192.
Enquanto os filósofos da natureza procediam com a método dedutivo, os sofistas procediam com o método empírico-indutivo. p. 193-194.
A sofística tem seu ponto de partida na experiência e tenta ganhar o maior número possível de conhecimentos em todos os campos da vida, depois dos quais, como por exemplo, a possibilidade do saber, sobre a origem, o progresso e o fim da cultura humana, sobre a origem e a constituição das línguas, sobre a origem e a essência da religião, sobre a diferença entre livres e escravos, helenos e bárbaros; em parte, ao invés de natureza prática, sobre a configuração da vida do indivíduo e da sociedade. p. 194.
Os filósofos da natureza buscavam a verdade por si mesma, e o fato de terem ou não alunos era puramente acidental; ao contrário os sofistas não buscavam a verdade por si mesma, mas tinham por objetivo o ensinamento, e o fato de terem discípulos era para eles essencial. p. 194.
Os sofistas conquistaram sua libertação com base na razão; e como os iluministas, eles tiveram ilimitada confiança na razão e na inteligência, o que eles negaram foi à possibilidade de alcançar algum absoluto do modo como acreditaram alcançá-lo os naturalistas ou, pelo menos, do modo como a tradição acreditava possuí-lo. “mas negar o absoluto do pensamento, não significava para os sofista negar o pensamento.” p. 197.
De fato, a preocupação dos sofistas foi constantemente dirigida a tornar os homens cultos e a cultura devia ser para eles o resultado de uma consciência criativa. p 198.
PROTÁGORAS: nasceu em Abdera provavelmente no decênio entre 491 a. C. viajou pelas várias cidades gregas, segundo o costume de todos os sofistas, e esteve mais de uma vez em Atenas, onde alcançou triunfais sucessos do publico. Foi muito apreciado também pelos políticos: Péricles confiou-lhe a encargo de preparar a legislação para a nova colônia de Turi (444ª. C.) Diógenes Laércio refere que por cauda da opinião professada sobre os deuses os atenienses teriam banido Protágoras da cidade. p. 200.
O homem é a medida de todas as coisas, das que são pelo são e das que não são pelas que não são. p. 200.
Por medida Protágoras deve entender a norma do “juízo”, enquanto por “coisa”, os fatos em geral. p. 200.  
Com o principio do homem medida, Protágoras pretendia, indubitavelmente, negar a existência de um critério absoluto que discriminasse e ser e não-ser, o verdadeiro e o falso e, em geral, todos os valores: o critério é apenas relativo, é o homem, o homem individual. p. 200.
Segundo Diógenes Laércio, Protágoras afirmava que “em torno a cada coisa existem dois raciocínios que se contrapõem entre si”, isto é, que sobre cada coisa é possível dizer e contradizer, aduzir razões que reciprocamente se anulam. p. 202.
Posto que seu objetivo era armar o aluno para todos os conflitos de pensamento, o seu método será, portanto, essencialmente a antilogia ou a controvérsia, a oposição das varias teses sobre determinados temas ou hipóteses convenientemente definidas ou catalogadas. p. 202.
O sábio não PE aquele que conhece os inexistentes valores absolutos, mas o que conhece o relativo mais útil, mais conveniente e mais oportuno, e sabe atuá-lo de fazê-lo atuar. p. 204.
Eu [Protágoras] afirmo, sim, que a verdade é exatamente como eu escrevi; que cada um de nós é medida das coisas que são e que não são; mas há uma diferença entre homem e homem, e justamente por isso, as coisas aparecem e são para um de um modo e para outro de outro. E estou longe de negar que exista a sapiência e o homem sábio, mas antes, chamo sábio aquele que transformando aquilo que em nós certa coisas aparecem e são más, consiga fazer que estas mesmas coisas apareçam e sejam boas”. (Platão teeteto) p. 205.
Na educação é preciso transformar o homem de hábitos piores em homem de hábito melhores. (Platão teeteto) p. 205.
GÓRGIAS: nasceu em Leontina na Sicilia, em torno a 485/480 a. C. foi discípulo de Empédocles. viajou por todas as cidade da Grécia e naturalmente esteve em Atenas. Em 427 foi enviado pela sua cidade natal como embaixador para obter ajuda militar contra Siracusa. Atingiu grandíssimo sucesso com sua retórica. Sua obra filosófica mais empenhativa deve ter sido: “sobre a natureza ou sobre o não-ser”, um manifesto do niilismo ético. p. 210.
Num escrito seu ele sustenta três teses bem concatenadas entre si: a) não existe o ser, isto é, nada existe; b) mesmo que existisse o ser ele não seria compreensível; c) e mesmo admitido que fosse compreensível, ele não seria comunicável nem explicável aos outros. p. 210.
Da obra “sobre a natureza ou sobre o não-ser” chegou duas redações, uma conservada por Sexto Empírico e uma transmitida pelo anônimo autor sobre Melisso, Xenófanes, Górgias (que chegou entre as obras de Aristóteles). p. 210.
A demonstração das três proposições tem o precioso objetivo de excluir radicalmente a possibilidade da existência ou de se alcançar, ou pelo menos, exprimir uma verdade objetiva. p. 211.
O próprio Sexto Empírico, que reportou umas das paráfrases, assim concluiu “diante de tais questões, insolúveis, levantadas por Górgias, desaparece, pelo que lhe concerne, o critério da verdade: porque do inexistente, do incognoscível, do inexprimível não há possibilidade de juízo”. p. 211.
Se para Protágoras existe uma verdade relativa, para Górgias não existe absolutamente verdade, tudo é falso. p. 211.
Na segunda tese Górgias demonstra que existe pensados, ou seja, conteúdo de pensamento que não tem qualquer realidade e, portanto, não existem. “se alguém pensa em homem que voa e cacos correm na praia. Conseqüentemente os conteúdos do pensamento não são existentes [= o pensamento não é pensamento do ser]. (Sexto Empírico). p. 213.
E a retórica é exatamente a arte que sabe explorar até o fundo este aspecto da palavra, e, portanto, pode ser chamada de arte da persuasão. p. 217.
Esta persuasão não está ligada a qualquer conhecimento de verdades inatingíveis, mas está ligada à pura crença. p. 217.
Na Atenas do sec. V a.C. nos tribunais e nas assembléias, a retórica podia garantir, a quem a possuísse, o sucesso. p. 217.
É também evidente sua estrutura ligação coma política. Na era clássica, de fato, o político é, chamada de orador. p. 217-218
Górgias não hesita em chamar “melhor” aquém poeticamente engana do que a quem não engana, e, “mais sábio”, a quem é enganado do que a quem não o é: o primeiro é melhor pela sua capacidade criadora de ilusões poética, o segundo porque é mais capaz de aprender a mensagem desta poética criatividade. p. 220.
PRÓDICO DE CÉOS: não se sabe exatamente quando ele nasceu. Os estudiosos conjeturam que a sua data de nascimento está entre 470-460 a. C e que a sua atividade deva ser situada em torno ao inicio da guerra do Peloponeso. Este muitas vezes em Atenas na qualidade de embaixador. Deu com sucesso lições em Atenas e noutras cidade gregas. p. 221
Prodigo de Céos deve ter ensinado aos alunos como explorar praticamente, ao falar aos juízes, ou ao povo nas assembléias, o jogo das distinções dos sinônimos. p. 221.
Hedonismo: a felicidade está no gozo de prazer intenso e fácil, está em desfrutar plenamente o que nos apraz, nos serve e nos é útil, sem deixar-nos levra por escrúpulo. p. 223
Sexto Empírico refere que Pródico de Céos afirmava: “os antigos consideraram deuses, em virtude da vantagem que daí derivava, o sol, alua, os rios, a fontes e, em geral, todas as forças que beneficiavam a vida”. p. 227.
Pródico sustentava que tudo o que beneficiava a vida foi considerado como deus. p. 227.
Antifonte, nos seus ensinamentos, deve ter insistido sobre as ciências naturais, por aquelas mesmas razões propugnadas por Hípias, isto é, porque viu só na physis a autentica norma do viver; mas chegou a radicalizar o dissídio entre natureza e lei ao limite da ruptura, afirmando em termos eleáticos, que a natureza é a “verdade” enquanto a lei positiva é pura “opinião”, e, portanto, que uma está quase que antítese com a outra e, por conseqüência, deve-se transgredir a lei dos homens, quando se puder fazê-lo impunemente, para seguir a lei da natureza: “Justiça consiste em não transgredir nenhuma das leis do estado do qual se é cidadão”. (do pensamento de Antifonte, que radicaliza o contraste entre nomos e physis). p. 230-231.
A maior parte do que é justo segundo a natureza revela-se hostil à natureza. p. 232.
O iluminismo sofístico dissolveu não só os velhos preconceitos de castas da aristocracia e o tradicional fechamento da polis, mas também o mais radical preconceito, comum a todos os gregos, quanto à própria superioridade sobre os outros povos; qualquer cidade é igual à outra, qualquer classe social é igual à outra, qualquer povo é igual a outro, porque todo homem é por natureza igual ao outro. p. 232.
As coisas uteis postas pelas leis são vínculos para a natureza, as que são postas pela natureza são livres. p. 232.
De modo algum segundo um raciocínio correto, o que causa sofrimento auxilia a natureza mais do que o que causa alegria; e assim tampouco será útil o que causa dor mais do que o que prazer; o que é verdadeiramente útil não deve prejudicar, mas ser útil. p. 232.
O relativismo e o método antilógico de Protágoras, por obras dos sofistas da geração mais jovem, produziu a erística [...] os eristas excogitaram toda aquela aparelhagem de raciocínios capciosos e decepcionantes que foram posteriormente chamados de “sofismas”. p. 234.
Trasímaco de Calcedônia chegou a afirmar que o “justo não é mais que a vantagem do mais forte” (Platão, A república); do que ele deduziu, quase certamente, como nos diz Platão no primeiro livro da República, que a justiça é um bem para o poderoso e um mal para quem está submetido ao poderoso, que o homem justo tem sempre desvantagem e o injusto vantagem. p. 237-238.
A vida “justa segundo s natureza” comportará também o favorecimento de todos os instintos, porque estes são segundo a natureza. p. 238.
A lei é sempre contra a natureza e foi feita pelos mais fracos para defenderem – se dos mais fortes. p. 238.
A sofistica operou um substancial deslocamento do eixo da pesquisa filosófica, centrando a sua problemática sobre o homem; até a corrente naturalista da sofistica ocupou-se da physis em sentido totalmente diferente dos naturalistas, não para conhecer enquanto tal, mas para melhor compreender o homem e o seu agir, ou seja, com finalidade ético-político-educativas. p. 240.
Neste deslocamento do eixo está o valor substancial da sofistica, todavia, não se pode dizer que a sofistica também tenha sabido fundar a filosofia moral. Todos os sofistas levantaram e aprofundaram , de diferentes maneiras, problemas morais, ou problemas ligados estruturalmente com a moral, mas não souberam alcançar, no nível temático o principio do qual todos dependem. Estes principio, como sabemos, consiste na precisa, consciente e razoável determinação da essência do homem. Nenhum, dos sofistas disse expressamente, isto é, tematicamente, o que é o homem. p. 240.
A verdade está no meio: é preciso reconhecer aos sofistas o fato de terem sabido dar voz às novas exigências do momento histórico e terem preparado o terreno para o advento da filosofia moral, mas é preciso também dizer que eles não souberam dar o passo final. p. 240.
Os naturalistas criticaram a velha concepção antropomórfica dos deuses e identificaram deus com o principio. p. 241.
Os sofistas rejeitaram os velhos deuses, os quais, depois da critica naturalistas, não eram mais dignos de fé; rejeitaram também a concepção de divino como principio das coisas. assim, aproximaram-se da negação de qualquer forma de divino: Protágoras permaneceu agnóstico; Górgias foi certamente alem do agnosticismo com o seu niilismo; Pródico de Céos interpretou os deuses como hipóstase humana do útil; Crítias, como a invenção de um home hábil e sábio excogitada para reforçar as leis que por si só não são vinculantes. Depois dessas críticas, não se podia voltar atrás: para crer no divino era preciso buscá-lo numa esfera mais elevada. E do divino passamos ao humano.  p. 241.
Os sofistas não tiveram de destruir aquilo que dissera os naturalistas, porque como sabemos os naturalistas não se ocuparam do homem; destruíram, ao invés, definitivamente, a visão que a tradição, sobretudo através do poetas e dos legisladores tinham construídos. Mas no momento em que tentaram reconstruir uma imagem do homem, esta se dilui em suas próprias mãos: Protágoras entendeu o homem propriamente como sensibilidade e sensação relativamente; Górgias como sujeito de móvel emoção, sujeito a ser arrastado pela retórica em todas as direções; e os próprios sofistas que apelavam à natureza, tendo-a entendido sobretudo como natureza biológica e animal, não puderam não deduzir dela as antitéticas conseqüências da absoluta igualdade e da absoluta desigualdade dos homens. p. 241.
Antes do surgimento da filosofia, a verdade não era distante das aparências. Os naturalistas contrapunham às aparências o logos, e só nisso reconheceram a verdade. p. 241
Protágoras cindiu o logos nos “dois raciocínios” e descobriu que o logos diz e contradiz; Górgias rejeitou o logos como pensamento e salvou-o só como mágica palavra, mas encontrou uma palavra que pode dizer tudo e contrário de tudo e, portanto, não pode verdadeiramente expressar nada. p. 241-242.
Se pata reencontrar o divino e a verdade eram necessárias as descobertas metafísicas e lógicas de Platão e Aristóteles, para reconstruir um novo rosto do homem bastavam recursos disponíveis no interior do horizonte da sofistica: a esta foi a contribuição que Sócrates soube dar; e assim com Sócrates a sofistica se concluiu e tornou-se verdadeira. p. 242.


TERCEIRA PARTE

SÓCRATES E OS SOCRÁTICOS MENORES
A FUNDAÇÃO DA FILOSOFIA MORAL


Sócrates morreu em 399 a. C. p. 247.
Sócrates foi formalmente acusado de não crer nos deuses da cidade e de corromper os jovens com as suas doutrinas. p. 247.
Platão diz que no momento da morte Sócrates tinham cerca de 70 anos. Deduz-se que nasceu em 470/469 a.C. p. 247.
O pai de Sócrates era escultor, se chamava Sofronisco; sua mãe era parteira e se chamava Fenarete. p. 247.
No momento da morte Sócrates tinha ainda dois filhos jovens e um filho menor e, portanto, deve ter se casado com Xantipa em idade avançada. Uma tradição posterior fala também de outra mulher de Sócrates de nome Mirto. Se a noticia fosse exata poder-se-ia pensar que Mirto tinha sido a primeira mulher e Xantipa a segunda (Diógenes Laércio). p. 247.
Sócrates jamais saiu de Atenas, a não ser quando chamado a participar de campanhas militares (com bateu em Potidéia, em Anfipoli e em Delio). Não quis participar da vida política julgando negativamente os métodos com os quais era administrada a coisa publica. p. 247.
Sócrates foi discípulo de Arquelau (discípulo de Anaxágoras). p. 248.
A fonte mais antiga sobre Sócrates é Aristófanes, com a comédia As nuvens, que é não só uma paródia do filósofo, mas também um violentíssimo ato de acusação contra o seu ensinamento e seus nefastos influxos sobre a juventude: Sócrates é considerado um sofista e antes, em certo sentido, o pior dos sofistas; ao mesmo tempo é considerado filósofo naturalista. Por essa razão Aristófanes, por muito tempo, não foi considerado e a comédia As nuvens foi considerada uma obra de pura fantasia, totalmente desprovida de valor histórico. p. 249.
A segunda fonte, em ordem cronológica, é Platão, o qual faz de Sócrates o Protagonista da maioria de seus diálogos, e põe na boca de Sócrates todas as idéias filosofia que desenvolveu progressivamente. p. 249.
A terceira fonte é Xenofonte, com os seus Ditos Memoráveis de Sócrates e outros escritos menores dos quais Sócrates é protagonista. O seu Sócrates resulta demasiado domesticado. Seria impossível que os atenienses tivessem motivo para mandar à morte um homem tal como Xenofonte pretende que tenha sido Sócrates. p. 250.
A quarta fonte é Aristóteles, que só ocasionalmente fala de Sócrates, mas diz ele coisas consideradas importantes. Mas Aristóteles não é um contemporâneo: ele pode, é verdade, verificar de vários modos o que nos refere dele, mas faltou-lhe o contato direto com o personagem, que, no caso de Sócrates, resulta insubstituível e não-recuperável de maneira medida. p. 250. 
Enfim, existem os vários Socráticos que fundaram as chamadas escolas socráticas menores. p. 250.
A atitude dos sofistas diante da filosofia da physis: trata-se de uma atitude totalmente negativa, a qual Górgias deu forma paradigmática no seu tratado Sobre a natureza ou sobre o não-ser, no qual buscava demonstrar a estrutura incomensurabilidade entre o ser (physis), de um lado, e o pensamento e a palavra humana, de outro. p. 254.
Xenofonte diz que Sócrates não discutia sobre a natureza do universo, como a maior parte dos demais, indagando o ponto de existência daquilo que os doutos chamam “Cosmo”, e por qual necessidade ocorram os fenômenos celestes: os que empreenderam tais pesquisas eram por ele definidos como incipientes. p. 254.
A ciência do cosmo é inacessível ao homem: quem a ela dedica as próprias energias tenta de maneira vã conquistar um conhecimento que só um deus pode possuir. p. 255.
Xenofonte refere que, em geral, no que concerne aos fenômenos celestes, Sócrates desaprovava a curiosidade de apreender como a divindade os consignou; sustenta que não podiam ser descoberto pelo homem e acreditava não ser agradável aos deuses quem procurasse o que eles não tinham querido revelar. p. 255.
Segundo Sócrates, quem se dedica a essa pesquisa, totalmente absorvido nela, esquece de si mesmo, ou seja, daquilo que mais importa: o homem e os problemas do homem. p. 255.
Por volta dos 30 anos Sócrates estava ligado a Arquelau (o qual repropunha doutrinas de Anaxágoras, de forma eclética) e, com ele, como o poeta Íon de Quio, tinha se dirigido a Samos. p. 255.
Teofrasto refere que de Arquelau de Atenas, diz-se que também Sócrates foi discípulo. p. 255.
Os sofistas falaram dos problemas do homem sem ter indagado de maneira adequada a natureza ou essência do homem. Diferentemente dos sofistas, Sócrates conseguiu fazer isso, e de tal modo, que pode dar a problemática do homem um significado decididamente novo. p. 258.
Que é o homem? a resposta socrática é inequívoca: o homem é sua alma, uma vez que é a alma que o distingue de todas as outras coisas. p. 258.
Para Homero a alma era o espírito no sentido de fantasma, que abandonava o homem na sua morte para ir vagar no Hades; para os órficos, era o demônio que em nós espiava a culpa, e que era tanto mais ele mesmo, quanto mais se separava do eu consciente; para os físicos, era o princípio (água, ar, fogo); para os poetas era algo indeterminado e em todo caso jamais teoricamente definido. p. 258.
Ao contrário, para Sócrates, alma coincidia com a nossa consciência pensante e operante, com nossa razão e com a sede de nossa atividade pensante e eticamente operante. Em poucas palavras: para Sócrates a alma é o eu consciente, é a personalidade intelectual e moral. p. 258-259.
Ensinar os homens a conhecer e a cuidar de si mesmo é a tarefa suprema da qual Sócrates considera ter sido investigado por Deus. p. 261.
Jamais poderemos saber qual é a arte de tornar melhor a nós mesmos , se ignoramos o que nós mesmos somos. (Sócrates). p. 263.
Se nos conhecermos, saberemos talvez também qual é o cuidado que devemos ter como nós mesmos; se não nos conhecemos, jamais o saberemos. (Sócrates). p. 263.
Uma coisa é o homem, outra coisa é seu corpo (Sócrates). p. 264.
Para Sócrates a essência do homem deve ser buscada na psique. p. 266.
Os sofistas não souberam determinar qual era a verdadeira natureza do homem. p. 266.
A superioridade de Sócrates sobre os sofistas, consiste sobretudo nisto: tendo compreendido que o homem se distingue de qualquer outras coisa pela sua alma, Sócrates pode determinar em que consiste a Arete humana: ela não pode ser senão o que permite a alma ser boa, isto é, ser aquilo que por sua natureza deve ser. p. 267.
Para Sócrates virtude é “ciência” ou conhecimento; vicio é a privação da ciência é a ignorância. p. 267.
Quem faz o mal (que é ignorância) o faz, justamente, só por ignorância e não porque queira o mal sabendo que é mal. p. 270.
Xenofonte dei que Sócrates não punha limites entre sapiência (= ciência) e sabedoria, mas considerava douto e sábio aquele que conhecendo as coisas belas e boas soubesse usá-las; conhecendo as coisa feias, dela soubesse guardar-se. p. 270.
Quem conhece o belo e o bom nada pode preferir-lhe; ao invés, quem não os conhece, não pode praticá-los, e se tenta, erra. (Sócrates). p. 270.
Na Ética a nicômaco, Aristóteles confirma que Sócrates afirmava que a virtude era racional, de fato, sustentavam que todas eram uma ciência. p. 270.
Por virtude os homens comuns (e em grande parte os sofistas) entendiam aquilo que a tradição e os poetas entenderam: algo fundado sobre o costume, os hábitos e as convicções da sociedade grega, mas não fundada e justificada sob rigorosas bases racionais. p. 271-272.
Sócrates diante da virtude e da vida moral do homem, faz exatamente o que os pré-socráticos fizeram diante da natureza: tenta submeter ao domínio da razão a vida humana. p. 272.
Para Sócrates a virtude não é e nem pode ser simples adequação aos costumes, aos hábitos e muito menos a convicção geralmente acolhida: ela deve ser algo motivado racionalmente, justificado e fundado no plano do conhecimento, não qualquer conhecimento, mas ao conhecimento do que é o homem e do que é bom e útil ao homem. p. 272.
O homem faz o mal porque espera, erroneamente, tirar dele o bem, a riqueza, o prazer e o gozo. p. 273.
 Sócrates não distingue as varias faculdades do espírito humano e a sua complexidade. Ele tem diante do espírito humano, aquelas mesmas visões unilaterais que tem Parmênides diante do ser. será Platão que descobrirá a complexa estrutura da alma humana, e mostrar que, ao lado da racionalidade, existe em nós a iracúndia e a concupiscência, e que a ação moral consiste num delicado equilíbrio dessas forças, que vê a irascibilidade (o querer) aliar-se e cooperar com a razão. p. 274.
A felicidade não é dada nem pelos bens exteriores, nem pelos bens do corpo, mas pelos bens da alma, ou seja pelo aperfeiçoamento da alma mediante a virtude. p. 282.
A felicidade não depende das coisas e da sorte, mas do logos humano e da interior formação que com o logos o homem pode se dar. p. 282.
Antístenes se refere que Deus não se assemelha a ninguém e, portanto, ninguém pode conhecê-lo por uma figura. p. 288.
Sócrates considerava absurdo também o antropomorfismo moral, e negava que aos deuses pudesse ser atribuídos paixões, sentimentos e costumes humanos. p. 289.
No Eutífron, segundo Platão, Sócrates disse: “mas é justamente esta a razão pela qual sou acusado: porque, quando alguém narra-me coisas semelhantes sobres os deuses, eu não consigo aceitá-las”. p. 289.
Xenófanes, antes de Sócrates, denunciara o erro antropomórfico da tradicional concepção dos deuses em todas as suas formas. p. 289.
Sócrates extraiu de Anaxágoras e de Diógenes de Apolônia a noção de Deus como noção de inteligência ordenadora. p. 290.
Antes de Sócrates, só Diógenes de Apolônia (desenvolvendo um pensamento de fundo de Anaxágoras) sustentou uma concepção teológica do universo. Todavia para Diógenes, a Inteligência ordenadora que  tudo governa era o Ar e todo o seu discurso era de caráter fisco-cosmológico. p. 296.
O Daimónion socrático: trata-se de um sinal ou uma voz que Sócrates expressamente dizia ser voz de Deus, isto é uma voz que provinha de Deus. p. 297.
O Daimónion nunca é chamado de demônio, mas um sinal e voz divina. p. 298.
O Daimónion não tem nada a haver com o âmbito das verdades filosóficas: a voz divina não revela absolutamente para a Sócrates a sabedoria humana, para Sócrates os princípios filosóficos tiram por inteiro a sua velocidade do logos, e não da divina revelação. p. 299.
A felicidade é, de fato, para Sócrates, algo de profundamente interior que tem a sua origem e a sua pátria na alma do homem: reside na própria vida moral. o bom da a si mesmo a sua própria recompensa, o mal o próprio castigo. p. 302.
As finalidades do método dialógico socrático são, fundamentalmente, de natureza ética educacional. p. 305.
A dialética socrática tem em vista a exortação à virtude, o convencimento do homem de que a alma e o cuidado de alma são o máximo bem para o homem. p. 305.
O discípulo que tem alma grávida da verdade tem necessidade de uma espécie de obstetra espiritual, que ajude esta verdade a vir à luz, e esta é justamente a maiêutica socrática. p. 312.
 Não obstante aos outros filósofos, Sócrates foi o primeiro a alcançar a consciência da idéia de ciência enquanto tal e das condições e procedimentos que a tornam possível. E a condição para haver ciência seria redutível a este princípio: não se pode afirmar nada de um objeto enquanto não se conhece dele o conceito, a sua essência universal permanente. Conseqüentemente, o procedimento seguido por Sócrates para alcançar o conceito seria o da indução, a passagem lógica dos casos particulares aos universais. p. 317.
Os fundadores das escolas socráticas menores foram: Antístenes (cínica); Aristipo, Euclides e Fédon. p. 332.
Antístenes nasceu em Atenas, o pai era ateniense, enquanto a mãe provinha da Trácia. Antístenes viveu na passagem do século V a. C. para o sec. IV a. C. Foi discípulo de Górgias e teve treinamento com outros sofistas; só em idade avançada se tornou discípulo de Sócrates. p. 333.
Diógenes Laércio refere que segundo Antístenes “a virtude está nas ações e não necessidades nem de muitas palavras nem de muitos conhecimentos”. Nesse sentido, deve ser e entendida a atividade negativa de Antístenes diante das ciências. p. 334-335.
  Para Antístenes a mensagem de Sócrates era puramente existencial. p. 336.
A revolução socrática da tábua de valores é baseada na descoberta na descoberta da Psyché como essência do homem e na conseqüente afirmação de que os valores supremos são os valores da alma. p. 336.
Antístenes condenou de modo categórico qualquer prazer, considerando-o em si o mal e com extraordinária energia ele dizia: “prefiro antes enlouquecer do que experimentar prazer”. p. 339.
Clemente Alexandrino refere que Antístenes dizia (contra o prazer do sexo) “se eu pudesse ter entre as mãos Afrodite, eu a atravessaria com uma flecha”. p. 339.
Por que esta luta contra o prazer? porque o prazer no momento em que é buscado, torna escravo o homem fazendo-o depender do objeto do qual ele deriva. p. 339.
A sociedade honra e louva justamente o oposto daquilo que o filosofo prega. p. 340.
Alguém disse a Antístenes: “muitos te louvam”, de modo mordaz Antístenes respondeu “que fiz então de mal?” isso exprime um desprezo pela sociedade. p. 340.
Antístenes dedicou sua escola a Héracles, herói das legendárias fadigas. p. 341.
Diógenes Laércio refere que Antístenes foi reconhecido pelos antigos como fundador do cinismo. O termo cínico deriva de cão (kúwn) e, provavelmente, tem uma dupla gênese. Diógenes Laércio refere que: “[Antístenes] costumava conversaR  no ginásio de Cinoarge” [kunosarges = cão ágio], próximo das portas [de Atenas] e alguns pensam que a escola cínica tomou o seu nome de Cinoarge”, e ulteriormente refere que Antístenes era chamado de Aplokuwn, ou seja, Cão puro. O discípulo de Antístenes Diógenes alto determinou-se de “Diógenes, o cão”. p. 341-342.
É possível que no cão eles vissem o emblema da vigilância: daquela vigilância que o cão tem por seu dono e o filosofo cínico por sua doutrina. p. 342.
Antístenes disse: “também os médicos estão com os enfermos sem, por isso, pegar a febre” (fonte de Diógenes Laércio). p. 343.
Também o cínico pretendia ser uma espécie de redenção espiritual: com a diferença que ele mirava unicamente a vida presente, o cristianismo a futura. p. 343.
Da longínqua e rica cidade de Cirene, fundada por colonos gregos na costa da África, Aristipo veio a Atenas atraído pelo que ouviu contar sobre Sócrates por alguém que encontrou nos jogos olímpicos. p. 344.  
Para Sócrates bens era só a ciência e a virtude. p. 345.
Aristipo afirmou que o prazer é sempre um bem, de onde quer que ele derive. p. 345.
Aristipo chegou a exigir pagamento pelas suas lições, justamente como faziam os sofistas, a ponto de os antigos lhe chamarem de sofista. p. 345.
Para os cirenáicos agradáveis são as sensações que implicam “um movimento violento”, a falta de prazer ou de dor é, ao invés, falta de movimento ou êxtase e é semelhante a situação de quem dorme. p. 351.
Diógenes Laércio refere que para os cirenáicos [diziam eles] “são muito melhores os prazeres do corpo do que os prazeres da alma”. p. 352.
Para os cirenáicos o prazer devia ser o que tem lugar no instante, no presente atual... os cirenáicos diziam: com efeito, só o presente é nosso e não o que já se realizou e nem o que ainda se espera: o primeiro, de fato, já acabou e o segundo é incerto se virá. p. 352.
Euclides nasceu em Megara, onde viveu e fundou a sua escola. Ele deve ter sido mais velho que Platão. Diógenes Laércio refere que depois da morte de Sócrates, Platão e os outros amigos dele se refugiaram em Megara junto a Euclides, por razões políticas. p. 356.
Euclides tentou fazer uma síntese entre a ética socrática e a ontologia eleata. p. 357.
Euclides e seus seguidores rediziam o bem ao uno. E concebiam este uno com característica eleata da absoluta e imóvel identidade e igualdade de si consigo. Diógenes Laércio refere que “Euclides eliminava as outras coisas contrarias ao bem, sustentando que não são. p. 358.
Diógenes Laércio informa que Fédon de Elida, dos eupátridas, foi capturado junto com a queda de sua pátria e constrangido a ficara em um bordel. Mas daí consegui entrar em contato com Sócrates e depois, por incitamento de Sócrates, Alcibíades e Críton e seus amigos o resgataram. Desde então tornou-se livre e dedicou-se à filosofia. Escreveu diálogos entres os quais “Zapiro e Simão”. p. 364.
Na Grécia foram os órficos a difundir a crença na metempsicose (transmigração da alma de um corpo para outro)... em todo caso parece seguro que, entre os gregos, a doutrina da transmigração da alma não veio dos filósofos aos sacerdotes, mas dos sacerdotes aos filósofos. p. 377.
O pitagórico Filolau escrevia: “atestam também os antigos teólogos e adivinhos que alma está unida ao corpo para pagar alguma pena; e neste como numa tumba está sepultada. p. 379.
O fim da alma, segundo o orfismo, é libertar-se do corpo. p. 381.
Se o corpo é a prisão da alma, oi seja, lugar onde paga a pena de uma antiga culpa, e se a reencarnação é como a continuação desta pena, é claro que a alma deve libertar-se do corpo e, justamente este é o seu fim ultimo. p. 381.
As teogonias órficas, diferentemente da hesiodiana, terminava  com o mito de Dionísio, e os Titãs e com as explicações das origens dos homens, assim como do bem e do mal que neles existem. Por conseqüência, enquanto uma (isto é a teogonia hesiodiana) não poderia nunca se tornara uma doutrina de base para a vida espiritual, a outra (isto é, a teogonia órfica) podia constituir esta doutrina, e com efeito a constituía. p. 385.
   Ora, a idéia de fundo da parte final da teogonia era a seguinte: Dionísio, filho de Zeus, foi triturado e devorado pelos Titãs, aos quais, por punição, foram queimados e incinerados pelo próprio Zeus, e das suas cinzas nasceram os homens. p. 385.
É evidente em que sentido e medida este mito pode constituir base de uma ética. Ele explica a constante tendência ao bem e ao mau presente nos homens: a parte dionisíaca é a alma (e liga se a ela a tendência ao bem), a parte titânica é o corpo (e liga-se a ele a tendência ao mal). Daqui deriva a nova tarefa moral de libertar o elemento dionisíaco (a alma) do elemento titânico (o corpo). A reencarnação e o ciclo dos renascimentos são a punição desta culpa e estão destinadas a continuar até que o homem se liberte da própria culpa. p. 385.
Platão tirará inspiração dessa intuição e, transpondo-a e fundando-a no plano metafísico, construirá a visão do homem “em duas dimensões”, que condicionou largamente o pensamento ocidental. p. 385
 Sócrates simplesmente sobre o homem aquele tipo de pergunta que os naturalistas punham sobre o cosmo. Eles pretendiam explicar todas as coisas relativas ao universo, reduzindo-as a unidade de um princípio; Sócrates pretendia, ao invés, explicar todas as coisas relativas ao homem e a sua vida, também reduzindo-as à unidade de um princípio: queria chegar a essência do homem e, em função desta, reinterpretar todas a vida do homem. p. 395.
Das Orígenes ao fim, os gregos consideraram a filosofia como a tentativa de compreender todas as coisas, reproduzindo-as ao seu fundamento ultimo, ou seja, a tentativa de medir-se com o todo... a seguinte afirmação platônica pode verdadeiramente ser considerada o selo desta concepção: quem é capaz de ver o todo é filósofo, quem não, não é. p. 396.
No Teeteto, Platão refere que “é próprio do filósofo admirar-se, e o filósofo não tem outra origem senão o está pleno de admiração”. p. 398.
Uma vez explicada a origem, é fácil explicar também o fim, ou seja, o escopo do filosofar segundo os gregos. Se a origem é uma necessidade de conhecimento, o fim deverá ser justamente, o apaziguamento, ou pelo menos, a tendência ao apaziguamento dessas necessidades. O fim é, portanto, o conhecimento buscado e conseguido em si mesmo e não por escopos ulteriores. O fim é o conhecimento pelo conhecimento, ou como diziam os gregos o theorin, o conhecimento como pura atitude contemplativa do verdadeiro. p. 400.
Eudaimonia, a palavra grega que traduzimos por felicidade, significa, literalmente, ter um bom demônio protetor, do qual depende conseqüentemente uma vida prospera. p. 409.
Heráclito afirmava que “o caráter é o demônio do homem”. p. 409.
Na “metafísica” Aristóteles especifica que a busca da verdade , sob certos aspectos, é difícil, e sob outros aspectos, é fácil: é difícil porque é impossível captar totalmente a verdade, mas é também fácil porque é impossível não captá-la de nenhum modo. p. 413.
     







  

   

 
  








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