quarta-feira, 3 de novembro de 2010

FILOSOFIA PARA CRIANÇAS EM KOHAN




FÁBIO COIMBRA[1]

O texto em questão discorre sobre a educação filosófica para crianças, tomando como eixo central o pensamento de Lipman. Para uma demonstração precisa das propostas desse autor, Kohan partirá, em princípio, das origens, ou melhor, das influências que o próprio Lipman recebeu na formulação de suas concepções sobre a educação, fixando sua abordagem no tripé: filosofia, investigação e educação democrática.
De acordo com o autor,

A proposta central da proposta de Lipman é levar a filosofia às crianças. Mas que filosofia é essa? Como compreendê-la? Como reconhecê-la? Quais as principais características de sua normatividade filosófica?[2]

Partindo desses questionamentos, Kohan vai mostra que a grande preocupação de Lipman, consistirá justamente em fazer com que as crianças pratiquem a filosofia e a vivencie. Para isso, uma reconstrução da história da filosofia faz-se necessário afim de que a mesma possa ser experimentada. Essa reconstrução – que aqui pode ser entendida como um retorno à filosofia em suas origens para de lá caminhar rumo à sua atualidade, isto é, seu presente – seria, portanto, uma maneira de (conhecendo a complexidade do pensamento filosófico) adaptar a filosofia ao mundo da criança para torná-la (filosofia) mais passível de entendimento e compreensão, observando sempre a necessidade da contextualização em âmbito linear.
Um momento relevante da cogitação de Kohan, que aqui merece destaque, é, sem dúvida, a reflexão, por ele feita, a cerca da distinção entre a filosofia e o filosofar. Nesse sentido, ele refere que

Essa distinção vem, pelo menos, desde Kant, para quem não é possível ensinar filosofia, mas se pode ensinar a filosofar. [...] Em sentido kantiano, a filosofia não pode ser ensinada porque ela, enquanto idéia de uma ciência possível, sempre é inacabada e, portanto, não pode ser aprendida nem apreendida. É possível, no entanto, exercer o talento da razão [...] [3]

Essa percepção do filósofo alemão já é suficiente para demonstra a sua concepção de educação, na qual consta a idéia de que a criança, que aqui pode ser tomado, em sentido geral, como o aluno não deve ir á escola somente para aprender o pensamento dos outros, mas para aprender a pensar. A prender a pensar, implica, necessariamente, o exercício da faculdade da razão. Por razões diversas, essas idéias de Kant tornar-se-ão celebres no contexto da educação. Sob algum aspecto, parece haver, aqui, um contraste entre Kant e aquele que vêem a escola como reprodutora de conhecimento, ou até mesmo de ideologias.  Em Kant, estar-se-ia, portanto, diante de algo novo, o novo do pensamento que brotou a partir do exercício da razão, razão essa que não adotou para si o pensamento já pensado, mas se deu o trabalho de pensar assim como tantos outros fizeram no decorrer da história.
Outro filósofo sobre o qual Lipman se debruça é o velho Sócrates, em certo sentido, considerado pai da filosofia. Com Sócrates tem-se, na história da filosofia, uma maneira inédita e diferenciada de filosofar. Como é sabido, Sócrates nada escreveu, e tudo o que se sabe a seu respeito deve-se aos seus discípulos que, felizmente, registraram aquilo que com o mestre aprenderam, ou experienciaram. Dentre os discípulos, destaca-se Platão, que, também, é um grande influenciador dos filósofos posteriores. Platão é, certamente, aquele por meio do qual melhor se pode conhecer Sócrates, haja vista, ser considerado a principal fonte sobre aquele filósofo. Como tal, ele apresenta seu mestre como um filósofo controverso a algumas das idéias de seu temp. Essas contraposições de Sócrates em relação às idéias dominantes de seu tempo lhe custaram um bem precioso, a saber, a vida. Alem de ser acusado de não acreditar nos deuses da cidade, o filósofo, também, foi acusado de corromper os jovens. Na verdade, tudo o que Sócrates queria era mostra que o modo como as coisas estavam procedendo em nada contribuíam para um bem viver. Nesse sentido, Sócrates também aparenta está preocupado com a educação dos jovens de sua cidade. Ou seja, aqui já se está diante de um Sócrates educador, ou no mínimo, preocupado com uma educação. É justamente, nesse aspecto que Kohan vai estabelecer um paralelo, entre uma educação baseada em Sócrates e outra baseada em Lipman. Ao mostrar que ambos possuem pontos em comum, trata de mostra que eles também divergem em diversas questões. Um dos pontos em comum que há entre os dois, por exemplo, diz respeito ao caráter dialógico da filosofia. Nessa perspectiva, ambos vão considerar que o diálogo, no que tange à prática da filosofia, vai ser justamente aquilo que vai dar suporte ao cultivo, bem como ao exercício da filosofia. Nesse sentido, o diálogo vem à tona como condição da filosofia e, portanto, do filosofar.
Outro aspecto comum que pode ser assinalado entre os dois vai dizer respeito ao caráter educacional da filosofia. Quanto a isso, Kohan refere que

[...] para ambos a prática de filosofia tem implicações educacionais de grande importância em uma unidade de sentido sociopolítico. [...] tanto um como outro consideram que a prática da filosofia é substancialmente educativa, na medida em que contribuem para formar espíritos críticos [...] para os dois, uma verdadeira educação não pode deixar de ser filosófica e uma verdadeira filosofia não pode deixar de ser educativa. [4]

O que se observa ai é que tanto em Sócrates quanto em Lipman há certo entrelaçamento da filosofia com a educação de tal modo que a relação entre ambas parece ser de natureza inextrincável. Esse caráter educativo, tal como se observa parece atingir seu ápice na formação critica do sujeito. Nesse contexto, por crítica está sendo entendida a capacidade do sujeito em abrir mão das certezas, verdades, ou valores já cristalizados pela própria evolução dos acontecimentos. O que aqui se torna necessário é que se levante questionamentos acerca desses valores. A crítica, nesse aspecto é como que aquilo que tornará mais sólido o conhecimento, não tendo, no entanto, a preocupação de buscar a verdade.
Seguindo a critica, tem-se, portanto, a investigação filosófica. Para Lipman, portanto, essa consiste em colocar em questão os dogmas, ou verdades já fixadas. Nesse contexto, a crítica funciona como uma espécie de filtro pela qual o conhecimento é purificado. Além desses, há ainda outros pontos em comum entre os dois filósofos no que diz respeito à educação e que não serão elencados aqui. Todavia, não é conveniente pensar que entre eles não há divergência. De acordo com Kohan,

Embora ocorram todas essas semelhanças, existem diferenças importantes no modo em que Sócrates e Lipman concebem essa prática filosófica. Em parte, essas diferenças explicam-se pelos contextos históricos tão diversos de um e de outro. Mas elas não se esgotam nessa historicidade.[5] 

Algumas dessas diferenças que aqui convém ressaltar referenciam, por exemplo, a faixa etária dos indivíduos a quem os filósofos (Sócrates e Lipman) se dirigem, ou direcionam seus referidos programas. Sócrates, como é sabido, dialogava com os jovens e adolescentes. Lipman, por sua vez, já referenciava as crianças, sendo essas, portanto, o ponto de convergência de suas propostas ou programas educacionais em se tratando do ensino da filosofia.
Um segundo ponto de discórdia entre os dois, vai residir em suas respectivas concepção a cerca do texto. Sócrates, até onde se sabe, não tinha o hábito de ler textos para seus aprendizes. Nele, o dialogo fluía naturalmente sem precisar recorrer a nenhuma fonte bibliográfica. Lipman ao contrário
Considera o texto escrito parte fundamental do diálogo filosófico, até o ponto de apresentar todo um dispositivo didático para facilitá-lo. Os “instrumentos” de Sócrates são apenas sua memória, sua arte no domínio da palavra e sua sensibilidade filosófica.[6]

Alem dos textos, na visão de Lipman, os professores devem ensinar outras técnicas que, de algum modo, venha a contribuir para o advento do diálogo filosófico. Em suma, o que Lipman defende incansavelmente é a idéia de que não pode haver diálogo filosófico sem texto, ou seja, a leitura é o pressuposto fundamental para que o diálogo aconteça. E não somente a leitura, mas também a escrita.
No que concerne ao espaço onde a educação deveria se da, os dois, talvez por razões também históricas, possuem perspectivas diferentes. Segundo Kohan, “as conversações socráticas aconteciam na praça publica. A filosofia de Lipman se pratica, majoritariamente, em escolas”. [7] Entretanto, prossegue o autor, “nada impede de se aplicar o programa de Lipman fora delas”. [8]
Outro ponto de destaque que também marca a divergência entre ambos ocorre no que se refere à problemática, ou à pergunta inicial. Quanto a isso o autor refere que enquanto

Para Sócrates, a pergunta inicial é, quase sempre, única [...] para Lipman, no entanto, as perguntas iniciais são múltiplas, de diversas índoles, e cada interlocutor do diálogo – de forma individual ou grupal – fará sua pergunta sobre o texto. [9]

Na perspectiva socrática, a finalidade da pergunta é a busca da verdade para aquilo sobre o que se pergunta. Como tal, é da pergunta que flui o diálogo. Sócrates não aceita que uma pergunta possa ter duas respostas como verdadeiras. Lipman, por sua vez, não está preocupado com a busca da verdade. Isso, entretanto, não quer dizer que ele tenha preferência pela falsidade, pelo contrário. O que ele objetiva primeiramente é encontrar a razão para tais perguntas. Em outros termos, o que ele quer alcançar é o sentido das perguntas suscitadas, haja vista, haver nele (Lipman) a possibilidade de jorrar – do assunto em discussão – posturas diversificadas, conforme refere Kohan.
Outro autor citado por Kohan, com o qual Lipman comunga algumas idéias é Peirce. Nesse, o autor enfatiza primordialmente os traços característicos da investigação, propriamente dita. Kohan demonstra que Lipman acolhe os pressupostos do pensamento perciano quando, por exemplo, Peirce concebe a comunidade como o espaço, ou a possibilidade, da investigação. De acordo com o Kohan, “a comunidade é a condição de possibilidade do ser e do conhecer[10]. É justamente desse principio que Lipman parte ao pretender criar a comunidade como paradigma de educação. Assim como para Peirce na ciência não há limites definidos, para Lipman isso também não há filosofia. Alem dos nomes já citados, com os quais Lipman dialoga seja a favor, seja contra, há ainda outros apresentados por Kohan e que aqui não serão aprofundados, como por exemplo, Paulo freire, Richard Rorty, Vygotsky e Dewey. Este último, certamente, foi aquele que mais influencio Lipman na formulação do seu pensamento e aquele do qual ele mais comungou idéias e, portanto, mais se aproximou.




REFERENCIA
KOHAN, Walter Omar. Filosofia para crianças. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.


[1] Graduando em filosofia pela universidade federal do maranhão
[2] KOHAN, Walter Omar. Filosofia para crianças. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. P. 17
[3] Id. Ibidem, P. 18
[4] Id. Ibidem, P. 22.
[5] Id. Ibidem, P. 24
[6] Id. Ibidem, P. 24
[7] Id. Ibidem, P. 25
[8] Id. Ibidem, P. 25
[9] Id. Ibidem, P. 27
[10] KOHAN, Walter Omar. Filosofia para crianças. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. P. 34.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

quick search