quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

FICHAMENTO DO CAP. V DO LEVIATÃ


SOBRE A RAZÃO E A CIÊNCIA

O que é a razão – Definição de razão – Onde está a reta razão – O uso da razão – Do erro e do absurdo – Causas do absurdo – Ciência – Prudência e sapiência, e diferença entre ambas – sinais da ciência

- Raciocinando alguém, nada mais faz do que conceber uma soma total, a partir da adição de parcelas, ou conceber um resto a partir da subtração de uma soma por outra [...]. (p. 39).
Aqui já se percebe que como, em Hobbes, a razão se liga ao calculo, tal como na matemática, por exemplo.
- Os escritores de política adicionam em conjunto pactos para descobrir os deveres dos homens. Os juristas somam leis fatos para descobrir o que é certo e é errado nas ações dos homens privados. [...] seja em que matéria for que houver lugar para a adição e para subtração, há também lugar para a razão. Onde aqueles não tiverem o seu lugar, também a razão nada tem a fazer. (p. 39).
Hobbes assinala, portanto, que razão e calculo caminham juntos mantendo, por conseguintes uma relação inseparável.
- Razão [...] nada mais é do que cálculo, isto é, adição e subtração das conseqüências de nomes gerais estabelecidos para marcar e significar nossos pensamentos. [...] marcar quando calculamos para nós próprios, e significar quando demonstramos ou aprovamos nossos cálculos para os outros homens. (p. 39).
 Aqui Hobbes demonstra bem claramente o sue conceito de razão, algo que anteriormente ele já vinha demonstrando indiretamente. Para ele, a razão é calculadora, dado que tem a função de calcular seja por meio das palavras, tal como se pode ver na lógica, ou por meio de números, como se pode observar na matemática. Quando esse cálculo é para o próprio sujeito que calcula, diz-se que a razão marca. Quando, porém, esse cálculo visa demonstrar ou provar os o que se calculou para outra pessoa, diz-se que ele serve para significar. (p. 39).
- [...] quando há controvérsia a propósito de um cálculo as partes têm de, por acordo mútuo, recorre a uma razão certa, à razão de algum arbitro, ou juiz, a cuja sentença se submetem, a menos que sua controvérsia se desfaça  e permaneça indecisa por falta de uma razão certa constituída  pela natureza. (p. 40).
Neste ponto, Hobbes já chama a atenção para a figura do rei soberano, que é tido como referência para a resolução de problemas que os indivíduos por si mesmos não conseguem chegar a um consenso. A esse soberano todos os súditos se submetem enquanto houver divergência entre eles. Como juiz constituído pela vontade de todos, a última palavra é dada, então pelo rei.
- O uso e finalidade da razão não é descobrir a soma e a verdade de uma, ou várias conseqüências, afastadas das primeiras definições, e das estabelecidas significações de nomes, mas começar por estas e seguir de uma conseqüência para outra. (p. 40).
A razão deve tomar como ponto de partida, portanto, a definição e a significação dos nomes.
- [...] o erro é apenas uma ilusão, ao presumir que algo aconteceu, ou está para acontecer, acerca do que, muito embora não tivesse acontecido, não existe, contudo, nenhuma impossibilidade aparente. (p. 41).
O erro significa, portanto, uma não correspondência à determinadas expectativas.
- Os homens todos, por natureza, raciocinam de forma semelhante, e bem, quando têm bons princípios. (p. 43).
Ter bons princípios é o que faz com que haja semelhança de raciocínio entre os homens.
- [...] a razão não nasce conosco como a sensação e a memória, nem é adquirida apenas pela experiência, como a prudência, mas obtida com esforço, primeiro por meio de uma adequada imposição de nomes, e em segundo lugar por intermédio de um método bom e ordenado de passar dos elementos, que são nomes, a asserções feitas por conexão de um deles com o outro, e daí para os silogismos, que são as conexões de uma asserção com outra, até chegar ao conhecimento de todas as conseqüências de nomes referentes ao assunto em questão. A isso os homens chamam ciência. [...] a ciência é o conhecimento das conseqüências [...]. (p. 43).
A razão, em Hobbes, não se trata de algo inato, mas algo que se adquire a partir das experiências que o indivíduo vai realizando no seu processo de desenvolvimento enquanto ser vivo. Um bom método para o alcance da razão se torna algo indispensável. O ponto de partida ruma a esse empreendimento é constituído pela imposição de nomes que o individuo deve colocar nas coisas marcando assim a sua definição, bem como o seu significado. O objetivo de tudo isso é a aquisição do conhecimento, ou ciência das coisas.
- [...] as crianças não são dotadas de razão nenhuma até que atinjam o uso da linguagem, mas são denominadas seres racionais devido a aparente possibilidade de terem o uso da razão na sua devida altura. (p. 43).
Hobbes postula que o que torna possível o alcance da razão é a linguagem. Somente por meio desta é que homem pode alcançar aquela.
- [...] a luz dos espíritos humanos são as palavras claras, meridianas, mas primeiramente limpas por meio de exatas definições e purgadas de toda ambigüidade. A razão é o passo, o aumento da ciência o caminho, e o beneficio da humanidade é o fim. De outro lado, as metáforas e as palavras ambíguas e destituídas de sentido são como ignes fatui, e raciocinar com elas é o mesmo que perambular entre inúmeros absurdos. (p. 44).
Percebe-se a insistência de Hobbes em defender que o ponto de partida rumo a aquisição do conhecimento verdadeiro, consiste na previa definição das palavras. É justamente essa clareza de definição que guia o espírito humano na busca pela ciência. A razão e a ciência são coisas diferentes, entretanto, é por meio de uma que se chega ao alcance da outras. O percurso é este: por meio da linguagem se chega à razão e por meio dessa, que consiste no estabelecimento de definições e significações precisas para as palavras, é que se chega ao alcance da ciência.
- Uns certos e infalíveis, outros incertos, assim são os sinais da ciência. Certos quando aquele que aspira à ciência de alguma coisa sabe ensinar a matéria, isto é, demonstrar sua verdade de maneira perspícua a alguém. Incertos quando apenas alguns eventos particulares correspondem à sua pretensão e em muitas ocasiões se revelam da maneira que ele diz que deviam acontecer. (p. 44).
Há, portanto, dois sinais da ciência: os falíveis e os infalíveis. Os primeiros consistem na demonstração correta daquilo a que se pretende ensinar. Os segundos são aqueles que se realizam apenas parcialmente, isto é, em certos aspectos.




quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

FICHAMENTO COMENTADO DO CAP. IV DO LEVIATÃ




SOBRE A LINGUAGEM 

Origem da linguagem – O uso da linguagem – Abusos da linguagem – Nomes próprios e comuns – Universais – Necessidades das definições – Objeto dos nomes – Uso dos nomes positivos – Nomes negativos e seus usos – Palavras insignificantes – Entendimento – Nomes inconstantes

- Ignora-se quem descobriu o uso das letras. Diz-se que o primeiro que as trouxe para a Grécia foi Cadmus, filho de Agenor, rei da Fenícia. Invenção fecunda para prolongar a memória dos tempos passados e estabelecer a conjunção da humanidade dispersa por tantas e tão diferentes regiões da terra. (P. 31).
Hobbes chama a atenção para o fato de que não há nenhuma certeza quanto a descoberta das letras. Entretanto, assinala que uma das funções primordiais da escrita é registrar o passado, e prolongá-lo na memória.
- Mas a mais nobre e útil de todas as invenções foi a da linguagem, que consiste em nomes ou apelações e em suas conexões, pelas quais os homens registram seus pensamentos, os recordam posteriormente e também os usam entre si para fins uteis e conversas recíprocas, sem o que não haveria entre os homens Estado, sociedade, contrato, paz, tal como não existem entre os leões, os ursos e os lobos. (P. 31).
A linguagem é, portanto, no pensamento de Hobbes o meio pelo qual tudo se torna possível. Ela consiste na conexão que se estabelece entre os nomes.
- Toda esta linguagem adquirida e aumentada por Adão e sua posteridade, foi novamente perdida na torre de Babel, quando pela mão de Deus, todos os homens foram punidos, devido a sua rebelião, pelo esquecimento de sua primitiva linguagem. Sendo, depois disso, forçados a dispersar-se pelas varias partes do mundo, resultou necessariamente que a diversidade de línguas hoje existentes proveio gradualmente dessa separação [...].  (P. 31-32). 
Hobbes parte do princípio de que Deus é o criador da linguagem e a ensinou a Adão. Entretanto, pela desobediência a Deus os homens esqueceram sua linguagem primeira, como forma de castigo. Ou seja, o evento de Babel, marca a origens das diversas línguas.
- Passar nosso discurso mental para um discurso verbal, ou cadeia de nossos pensamentos para uma cadeia de palavras, caracteriza o uso da linguagem. [...] a primeira utilização dos nomes consiste em servir de marcas ou notas de lembranças. (P. 32).
A linguagem consiste, portanto, na transposição do pensamento para a palavra. Como tal, a linguagem também cumpre com a função de resgatar pensamentos que por alguma razão tenha escapado da memória.
- Os usos especiais da linguagem são os seguintes: primeiramente, registrar aquilo que descobrimos ser a causa de qualquer coisa, presente ou passada, e aquilo que achamos que as coisas presentes ou passadas podem produzir ou causar, o que em suma é adquirir artes. A seguir, para mostrar aos outros aquele conhecimento que atingimos, ou seja, aconselhar e ensinar uns aos outros. Em terceiro lugar, para dar a conhecer aos outros nossas vontades e objetivos, a fim de podermos obter ajuda. Em quarto lugar, para agradar e para nos deliciar, e aos outros, jogando com as palavras, por prazer e ornamento, de maneira inocente. (p. 32).
Hobbes concebe, portanto, quatro usos específicos da linguagem. Sinteticamente pode-se dizer que esses usos consistem em registrar, mostrar, demonstrar e agradar.
- Quatro abusos correspondem a esse uso. Primeiro, quando os homens registram erradamente seus pensamentos pela inconstância da significação de suas palavras, com as quais registram como, suas concepções aquilo que nunca conceberam e, desse modo, se enganam. Em segundo lugar, quando usam palavras de maneira metafórica, ou seja, com sentido diferente daquele que foi atribuído às palavras. Em terceiro lugar, quando por palavras declaram ser sua vontade aquilo que não é. Em quarto lugar, quando as usam para se ofender uns aos outros, dado que a natureza armou os seres vivos uns com dentes, outros com chifres, e outros com mãos para atacar o inimigo, nada mais é do que um abuso da linguagem ofendê-lo com a língua, amenos que se trate de alguém que somos obrigados a governar, mas não é ofender, e, sim, corrigir e punir. (p. 32-33).
Os quatros usos da linguagem degeneram em quatro abusos. Esses abusos resultam de erros devido a usos inconvenientes da linguagem.
- A linguagem é útil para a recordação das conseqüências de causas e efeitos, por meio da imposição de nomes e da conexão destes. (P. 33).
A recordação das coisas se dá por meio dos nomes que anteriormente são conferidos a essas mesmas coisas. É nesse sentido que a linguagem serve para recordar.
- Um nome universal é atribuído a muitas coisas, devido a sua semelhança em alguma qualidade ou outro acidente. Enquanto o nome próprio traz ao espírito uma coisa apenas, os universais recordam qualquer dessa muitas coisas. (p. 33).
Com os nomes universais ouve uma diminuição dos esforços humanos para entender as coisas. Essa redução do esforço para se entender, no que a isso diz respeito, deve-se primordialmente à sintetização, ou redução das coisas complexas, que passaram a ser simples, em certos aspectos.
- [...] o uso de palavras para registrar nossos pensamentos não é tão evidente como na numeração. Um louco de nascença que nunca conseguisse aprender de cor a ordem das palavras numerais, como um, dói, três, pode observar cada uma das pancadas de um relógio e acompanhar com a cabeça, ou dizer um, um, um, mas nunca pode saber que horas são. (p. 34).
Por meio do número, o registro de palavras se torna algo universal a todos os seres humanos, inclusive aos loucos.
- [...] sem palavras não há qualquer possibilidade de reconhecer os números e muito menos as grandezas, a velocidade, a força e outras coisas, cujo calculo é necessário á existência ou ao bem-estar da humanidade. (p. 34).
A palavra, ou linguagem, é, portanto, o meio indispensável para o conhecimento de tudo o que existe.
- O verdadeiro e o falso são atributos da linguagem e não das coisas. Onde não houver linguagem, não há nem verdade nem falsidade. (p. 34-35).
É a linguagem, portanto, que diz o que as coisas são. Tudo o que é, só o é porque a linguagem assim o concebeu.
- [...] a verdade consiste na adequada ordenação de nomes em nossas afirmações. (P. 35).
- [...] em geometria, [...] os homens começam estabelecendo as significações de suas palavras. A esse estabelecimento de significações chamam definições, e colocam-nas no início de seu cálculo. [...] é necessário a qualquer pessoa que aspire a um conhecimento verdadeiro examinar as definições dos primeiros autores [...]. (p. 35).
As palavras se definem, portanto, a partir daquilo que elas anteriormente significam. Ou seja, o significado determina a definição.
- [...] na correta definição de nomes reside o primeiro uso da linguagem, o qual consiste na aquisição de ciência; e na incorreta definição, ou na ausência de definições, reside o primeiro abuso, do qual resultam todas as doutrinas falsas e destituídas de sentido [...]. (P. 35).
Ou seja, a aquisição da ciência, enquanto conhecimento consiste na definição dos nomes que devem ser usados. Os erros, ou abusos resultam da falta de significações.
- Entre a verdadeira ciência e as doutrinas errôneas situa-se a ignorância. (p. 35).
Essa ignorância que transita entre a ciência e o erro resulta justamente do erro decorrentes do inconveniente uso das palavras, sobretudo, quando essas não possuem significados claros.
- A natureza em si não pode errar; e à medida que os homens adquirem abundancia de linguagem, vão-se tornando mais sábios ou mais loucos do que habitualmente. Nem é possível sem letras que um homem se torne extraordinariamente sábio, ou extraordinariamente louco, a menos que sua memória seja atacada por doença ou tenha deficiência na constituição dos órgãos.  (p. 35-36).
Como tal a linguagem é fonte de conhecimento. Sendo conhecimento ela também é definidora do homem.
- As palavras são os calculadores dos sábios que só com elas calculam. (p. 36).
- Os latinos chamavam aos cômputos de moeda ratione, e ao cálculo ratiocinatio [...] parece daí resultar a extensão da palavra ratio a faculdade de contar em todas as outras coisas. Os gregos têm uma só palavra, logos, para linguagem e razão. Não que eles pensassem que não havia linguagem sem razão, mas, sim, que não havia raciocínio sem linguagem. (P. 36).
A linguagem é necessária para que haja raciocínio, pois é por meio dela que o pensamento se expressa.
- Sempre que qualquer afirmação seja falsa, os dois nomes pelos quais é composta, postos lado a lado e tornado num só, não significam absolutamente nada. Por exemplo, se for uma afirmação falsa dizer “um quadrângulo é redondo”, a expressão quadrângulo redondo nada significa e é um simples som. (p. 37). 
A verdade de uma sentença resulta do correto uso das palavras. Caso esse uso seja equivocado, a frase que as palavras forma é vazia de sentido.
- [...] se a linguagem é peculiar ao homem [...], o entendimento lhe é peculiar. (p. 38).
- [...] os nomes são impostos para significar nossas concepções [...], nossas afeições nada mais são do que concepções, quando concebemos as mesmas coisas de forma diferente [...]. (p.38).
Os nomes, portanto, sevem para representar os conceitos que estabelecemos acerca das coisas.

domingo, 21 de novembro de 2010

FICHAMENTO PARCIAL DO LIVRO “O MAL-ESTAR DA PÓS-MODERNIDADE” DE ZYGMUNT BAUMAN


                     
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Trad. Mauro Gama, Claudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1998.

INTRODUÇÃO

O MAL-ESTAR – MODERNO E PÓS-MODERNO

- Só a sociedade moderna pensou em si mesma como uma atividade da “cultura” ou da “civilização” e agiu sobre alto conhecimento com os resultados que Freud passou a estudar; a expressão “civilização moderna” é por essa razão, um pleonasmo. (P. 7).
- Você ganha uma coisa, mas, habitualmente, perde em troca alguma coisa: partiu daí a mensagem de Freud. Assim como “cultura” ou “civilização”, modernidade é mais ou menos beleza [...], limpeza [...], e ordem (“ordem é uma espécie de compulsão à repetição que [...] decide quando, onde e como uma coisa deve ser feita, de modo que em toda circunstância semelhante não haja hesitação ou indecisão). (P. 7-8).
- A beleza (isto é, tudo o que o sublime prazer dá harmonia e perfeição da forma), a pureza e a ordem são ganhos que não devem ser desprezados e que, certamente, se abandonados, irão provocar indignação, resistência e lamentação. Mas tampouco devem ser obtidos sem o pagamento de um alto preço. (P. 8).
- Nada predispõe “naturalmente” os seres humanos a procurar ou preservar a beleza, conservar-se limpo e observar a rotina chamada ordem. (se eles parecem, aqui e ali, apresentar tal “instinto” deve ser uma inclinação criada e adquirida, ensinada, o sinal mais certo de uma civilização em atividade. (P. 8).
- Os seres humanos precisam ser obrigados a respeitar e apreciar a harmonia, a limpeza e a ordem. Sua liberdade de agir sobre seus próprios impulsos deve ser preparada. A coerção é dolorosa: a defesa contra o sofrimento gera seus próprios sofrimentos. (P. 8).
- “A civilização se constrói sobre uma renuncia ao extinto”. Especialmente – assim Freud nos diz – a civilização [...] “impõem grandes sacrifícios” à sexualidade e agressividade do homem. (P. 8).
- “O anseio de liberdade, portanto, é dirigido contra formas e exigências particulares da civilização ou contra a civilização como num todo. (P. 8).
- Os prazeres da vida civilizada, e Freud insiste nisso, vem num pacote fechado com os sofrimentos, a satisfação com o mal-estar, a submissão com a rebelião. (P. 8).
- A civilização – a ordem imposta a humanidade naturalmente desordenada – é um compromisso, uma troca continuamente reclamada e para sempre instigada a se renegociar. (p. 8).
- “O homem civilizado trocou um quinhão das suas possibilidades de felicidade por um quinhão de segurança”. (P. 8).
- Dessa ordem que era o orgulho da modernidade e a pedra angular de todas as suas outras realizações [...] Freud falou em termos de “compulsão”, “regulação”, “supressão” ou “renuncia fechada”. Esses mal-estares que eram a marca registrada da modernidade resultaram do “excesso de ordem” e sua inseparável companheira – a escassez de liberdade. (P. 8-9).
- Dentro da estrutura de uma civilização concentrada na segurança, mais liberdade significa menos mal-estar. Dentro da estrutura de uma civilização que escolheu limitar a liberdade em nome da segurança, mais ordem significa mais mal estar. (P. 9).
- Passados sessenta e cinco anos que O mal-estar na civilização foi escrito e publicado, a liberdade individual reina soberana: é o valor pelo qual todos os outros valores vieram a ser avaliados e a referência pela qual a sabedoria das coisas acerca de todas as normas e resoluções supra-individuais devem ser medidas. (P. 9).
- A liberdade individual, outrora uma responsabilidade e um problema para todos os edificadores da ordem, tornou-se o maior dos predicados e recursos na perpétua auto-criação do universo humano. (P. 9).
- Os mal-estares da modernidade provinham de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da liberdade individual. (P. 10).
- Os mal-estares da pós-modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma liberdade individual pequena demais. (P. 10).
- Qualquer valor só é um valor (como Georg Simmel, há muito, observou) graças à perda de outros valores, que se tem de sofrer a fim de obtê-lo.

CAP. I
O SONHO DA PUREZA

- Os grandes crimes, frequentemente, partem de grandes idéias. (P. 13).
- Nos primeiros anos da idade moderna, como Michel Foucault nos lembrou, os loucos eram arrebanhados pelas autoridades citadinas, amontoados dentro de Narrenschiffen (“naus dos loucos”) e jogados ao mar; os loucos representavam “uma obscura desordem, um caos movediço (...) que se opõe a estabilidade adulta e luminosa da mente”, e o mar representava a água, que “leva deste mundo, mas faz mais: purifica”. (P. 13).
- A intervenção humana decididamente não suja a natureza, e a torna imunda: ela insere na natureza a própria distinção entre pureza e imundície, cria a própria possibilidade de uma determinada parte do mundo ser “limpa” ou “suja”. (P. 14).
- A pureza é uma visão das coisas colocadas em lugares diferentes dos que elas ocupariam, se não fossem levadas a se mudar para outro, impulsionadas, arrastadas ou incitadas; é uma visão da ordem – isto é, de uma situação em que cada coisa se acha em seu justo lugar e em nenhum outro. Não há nenhum meio de pensar sobre a pureza sem ter uma imagem da “ordem”, sem atribuir às coisa seus lugares “justos” e “convenientes” – que ocorrem serem aqueles lugares que elas não preencheriam “naturalmente” por sua livre vontade. (P. 14).
- O oposto da pureza [...] são as coisas fora do lugar. (P. 14).
- Não são as características intrínsecas das coisas que as transformam em sujas, mas, tão somente sua localização na ordem de coisas idealizada pelos que procuram a pureza. (P. 14).
- As coisas que são sujas num contexto podem tornar-se puras exatamente por serem colocadas num outro lugar – e vice-versa. Sapatos magnificamente lustrados e brilhantes tornam-se sujos quando colocados na mesa de refeição, restituídos ao monte dos sapatos, eles recuperam sua prístina e pureza. (p. 14).
- Ordem significa um meio regular e estável para os nossos atos; um mundo em que as probabilidades dos acontecimentos não estejam distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa hierarquia estrita [...]. (P. 15).
- A sujeira, sugeriu Douglas (Mary Douglas) “é essencialmente desordem. Não há nenhuma coisa que seja sujeira absoluta. Ela existe ao olhar do observador. (...) A sujeira transgride a ordem. Eliminá-la não é um movimento negativo, mas um esforço positivo para organizar o ambiente. [...] se o desasseio é coisa inapropriada, devemos atacá-lo através da ordem. O desasseio ou a sujeira é o que não deve ser incluído se um padrão precisa ser mantido. (P. 16).
- Conforme a análise de Mary Douglas, o interesse pela pureza e a obsessão com a luta contra a sujeira emergem como características universais dos seres humanos: os modelos de pureza, os padrões a serem conservados mudam de uma época para outra, de uma cultura para outra – mas cada época e cada cultura tem um certo modelo de pureza e um certo padrão ideal a serem mantidos intactos e incólumes às disparidades. (P. 16).
- O criador da sociologia fenomenológica, Alfred Schütz, fez nos conscientes das características da vida humana que parecem obvias no momento em que são ressaltadas: de que, se nós, humanos, podemos “achar nossas posições dentro de nosso ambiente natural e sociocultural e chegamos a um acordo sobre isso” é graças ao fato de que esse ambiente foi antes “pré-selecionado e pré-interpretado (...) por uma serie de constructos de senso comum da realidade da vida diária”. (P. 17).
- Nenhum de nós pode construir o mundo das significações e sentidos a partir do nada: cada um ingressa num mundo “pré-fabricado”, em que certas coisas são importantes e outras não o são; em que as conveniências estabelecidas trazem certas coisas para a luz e deixam outras na sombra. (P. 17).
- “Só posso compreender os atos de outra pessoa”, diz Schütz, “se puder imaginar que eu mesmo praticaria atos análogos caso tivesse na mesma situação, regulada pelos mesmos motivos de por que, ou orientadas pelos mesmos motivos de para que [...]. (P. 18).
- [...] a chegada de um estranho tem o impacto de um terremoto... O estranho despedaça a rocha sobre a qual repousa a segurança da vida diária. Ele vem de longe; não partilha as suposições do local – e, desse modo, “torna-se essencialmente o homem que deve colocar em questão quase tudo o que parece ser inquestionável para os membros do grupo abordado. Ele “tem de” cometer esse ato, perigoso e deplorável porque não tem nenhum status dentro do grupo abordado que fizesse o padrão desse grupo parecer-lhe “natural” [...]. (P. 19).
- Se a “sujeira” é um elemento que desafia o propósito dos esforços de organização, e a sujeira automática, autolocomotora e autocondutora é um elemento que desafia a própria possibilidade de esforços eficientes, então, o estranho é a verdadeira síntese desta ultima. (P. 19).
- [...] o cuidado com a ordem significou a introdução de uma nova ordem, ainda por cima, artificial – constituindo, por assim dizer, um novo começo. De fato, PODE-SE DEFINIR A MODERNIDADE COMO A ÉPOCA, OU O ESTILO DE VIDA, EM QUE A COLOCAÇÃO EM ORDEM DEPENDE DO DESMANTELAMENTO DA ORDEM “TRADICIONAL”, HERDADA E RECEBIDA; EM QUE “SER” SIGNIFICA UM NOVO COMEÇO PERMANENTE. (P. 20).
- Cada ordem tem suas próprias desordens; cada modelo de pureza tem sua própria sujeira que precisa ser varrida. (P. 20).
- O cuidado com a pureza concentra-se não tanto no combate à “sujeira primária” quanta na luta contra a “metassujeira” – contra afrouxar ou negligenciar totalmente o esforço de manter as coisas como são [...] (P. 20).
- “Vizinhos do lado” inteiramente familiares e sem nenhum problema podem da noite para o dia converter-se em estranhos aterrorizantes, desde que uma nova ordem se idealiza [...]. (P. 21).
- Quase todas as fantasias modernas de um “mundo bom” foram em tudo profundamente antimodernas, visto que visualizaram o fim da história comprometida com um processo de mudança. (P. 21).
- Uma vez que o critério da pureza é aptidão de participar do jogo consumista, os deixados de fora como um “problema”, como a “sujeira” que precisa ser removida, são consumidores falhos – pessoas incapacitadas de responder aos atrativos do mercado consumidor porque lhes faltam recursos requeridos, pessoas incapazes de ser “indivíduos livres” conforme o senso de “liberdade” definido em função do poder de escolha do consumidor. São eles os novos “impuros” que não se ajustam ao novo esquema de pureza. Encarados a partir da nova perspectiva do mercado consumidor, eles são redundantes – verdadeiramente “objetos fora do lugar”. (P. 24).
- Os centros comerciais e os supermercados, templos do novo credo consumista, [...] impedem a entrada dos consumidores falhos à suas próprias custas, cercando-se de câmeras de vigilância, alarmes eletrônicos e guardas fortemente armados; assim fazem as comunidades onde os consumidores afortunados e felizes vivem e desfrutam de suas novas liberdades [...]. (P. 24).
- A modernidade viveu num estado permanente de guerra à tradição, legitimada pelo anseio de coletivizar o destino humano num plano mais alto e novo, que substituísse a velha ordem remanescente, já esfalfada, por uma nova e melhor. Ela devia, portanto, purificar-se daqueles que ameaçavam voltar sua intrínseca irreverência contra os seus próprios princípios. (P. 26).
- A pós-modernidade, por outro lado, vive num estado de permanente pressão para se despojar de toda interferência coletiva no destino individual, para desregulamentar e privatiza. (P. 26).
- A mais odiosa impureza da versão pós-moderna da pureza não são os revolucionários, mas aqueles que ou desrespeitam a lei, ou fazem a lei com suas próprias mãos – assaltantes, gatunos, ladrões de carros [...]. (P. 26).
- A busca da pureza moderna expressou-se diariamente com a ação punitiva contra as classes perigosas; a busca da pureza pós-moderna expressa-se diariamente com a ação punitiva contra os moradores das ruas pobres e das áreas urbanas proibidas, os vagabundos e indolentes. (P. 26).

                                                                     CAP. II
A CRIAÇÃO E ANULAÇÃO DOS ESTRANHOS

- todas as sociedades produzem seus estranhos. Mas cada espécie de sociedade produz sua própria espécie de estranho, e os produz de sua própria maneira, inimitável. (P. 27).
- se os estranhos são as pessoas que não se encaixam no mapa cognitivo, moral ou estético desse do mundo [...] cada sociedade produz esses estranhos. (P. 27).
- [...] uma vez que a humanidade tolera mal todo tempo de reclusão, os seres humanos que transgridem os limites se convertem em estranhos – cada um deve ter motivos para temer a bota de cano alto feita para pisar no pó a face dos estranhos, para espremer o estranho do humano e manter aqueles ainda não pisados [...] (P. 27-28).
- Botas de cano alto fazem parte de uniformes. [...] Em algum momento de nosso século se tornou comum a compreensão de que os homens uniformizados devem ser mais temidos. (P. 28).
- Envergando uniformes, os homens se tornam esse poder em ação; envergando botas de cano alto, eles pisam, e pisam em ordem, em nome do estado. (P. 28).
- O estado que vestiu homens de uniforme, de modo que estes pudessem ser reconhecidos e instruídos para pisar, e antecipadamente absolvidos da culpa de pisar, foi o estado que se encarou como a fonte, o defensor e a única garantia da vida ordeira: a ordem que protege o dique do caos. (P. 28).
- Foi à visão da ordem que os estranhos modernos não se ajustaram. (P. 28).
- Quando se traçam linhas divisórias e se separa o assim dividido, tudo o que borra as linhas e atravessa as divisões solapa esse trabalho e destroça-lhe os produtos. (P. 28).
- Os estranhos exalaram incerteza onde a certeza e a clareza deviam ter imperado. (P. 28).
- Constituir a ordem foi uma guerra de atrito empreendida contra os estranhos e o indiferente. (P. 28).
- nessa guerra [...] duas estratégias alternativas foram inteiramente desenvolvidas. Uma era antropofágica: aniquilar os estranhos devorando-os e depois, metabolicamente, transformando-os num tecido indistinguível do que já havia. [...] A outra estratégia era antropoêmica: vomitar os estranhos, bani-los dos limites do mundo ordeiro e impedi-los de toda comunicação com os do lado de dentro. (P. 28-29).
- A expressão mais comum das duas estratégias foi o notório entrechoque entre as versões liberal e racista-nacionalista. (P. 29).
- As pessoas são diferentes, dá a entender o projeto liberal, mas diferentes por causa da diversidade das tradições locais e particularistas em que elas crescem e amadurecem. São produtos da educação, criaturas da cultura e, por isso, flexíveis e dóceis a serem transformadas. (P. 29).
- Não é assim, objetou a opinião racista-nacionalista. A reconstrução cultural tem limites que nenhum esforço poderia transcender. Certas pessoas nunca serão convertidas em alguma coisa mais do que são. Estão, por assim dizer, fora do alcance do reparo. Não se pode livrá-la de seus defeitos: se pode deixá-las livres delas próprias [...]. (P. 29).
- Na sociedade moderna, e sob a égide do estado moderno, a aniquilação cultural e física dos estranhos e do diferente foi uma destruição criativa, demolindo, mas construindo ao mesmo tempo, mutilando, mas corrigindo [...] (P. 29).
- [...] onde quer que a planejada ordem de constituição esteja em andamento, certos habitantes do território a ser ordeiramente feito de maneira nova convertem-se em estranhos que precisam ser eliminados. (P. 30).
- Os estranhos eram, por definição, uma anomalia a ser retificada. Sua presença a priori era definida como temporária [...]. (P. 30).
Do desencaixe a navegação
- O projeto moderno prometia libertar o indivíduo da identidade herdada. Não tomou, porem, uma firme posição contra a identidade [...] Só transformou a identidade, que era questão de atribuição, em realização – fazendo dela, assim, uma tarefa individual e da responsabilidade do indivíduo. (P. 30).
- A identidade devia ser erigida sistematicamente, de degrau em degrau, de tijolo em tijolo, seguindo um esquema concluído antes de iniciado o trabalho. A construção requeria uma clara percepção da forma final [...] e a visão através das conseqüências de cada movimento. (P. 31).
- Havia, assim, um vínculo firme e irrevogável entre a ordem social como projeto e a vida individual como projeto, sendo a ultima impensável sem a primeira. (P. 31).
- Na sociedade moderna, que comprometeu seus integrantes principalmente com os papeis de produtores e soldados, o ajustamento e a adaptação indicavam apenas um único caminho: era a volúvel escolha individual que precisava inventariar sua vida [...]. (P. 32).
- Os projetos de vida individuais não encontram nenhum terreno estável em que acomodem uma âncora, e os esforços de constituição de identidade individual não podem retificar as conseqüências do desencaixe [...] (P. 32).
- A imagem do mundo diariamente gerada pelas preocupações da vida é destituída da genuína ou suposta solidez e continuidade que costumavam ser a marca registrada das estruturas modernas. (P. 32).
- O mundo pós-moderno está-se preparando para a vida sob uma condição de incerteza que é permanente e irredutível. (P. 32).
Dimensões da incerteza presente
- [...] a incerteza radical a propósito dos mundos material e social que habitamos e dos nossos métodos de atividade política dentro deles (...) é o que a indústria da imagem nos oferece (...). (P. 36).
- [...] a mensagem hoje carregada de grande poder de persuasão pelos mais ubiquamente eficazes meios de comunicação cultural [...] é uma mensagem da indeterminação e maleabilidade do mundo: neste mundo, tudo pode acontecer e tudo pode ser feito, mas nada pode ser feito uma vez por todas – e o que quer que aconteça chega sem se anunciar e vai-se embora sem aviso. (P. 36).
- [...] há pouca coisa, no mundo, que se possa considerar sólida e digna de confiança [...] (P. 36).
- [...] a própria memória é como uma fita de vídeo, sempre pronta a ser apagada para receber novas imagens [...]. (P. 36-37).
- Viver sob condições de esmagadora e auto-eternizante incerteza é uma experiência inteiramente distinta da de uma vida subordinada à tarefa de construir a identidade, e vivida num mundo voltado para a constituição da ordem. (P. 37).
 - Os estranhos de hoje são subprodutos, mas também os meios de produção no incessante, porque jamais conclusivo, processo de construção da identidade. (P. 37).
Liberdade, incerteza e liberdade da incerteza
- O que faz certas pessoas estranhas e, por isso, irritantes, enervantes, desconcertantes e, sob outros aspectos, “um problema”, é – vamos repetir – sua tendência a obscurecer e eclipsar as linhas de fronteira que devem ser claramente vistas. (P. 37).
- Em diferentes épocas e em diferentes situações sociais, são diferentes as fronteiras que devem ser vistas mais claramente do que outras. (P. 38).
- [...] é característica muito difundida dos homens e mulheres contemporâneos, no nosso tipo de sociedade, eles viverem permanentemente com o “problema da identidade” não resolvido. (P. 38).
- Eles sofrem, pode-se dizer, de uma crônica falta de recursos com os quais pudesse construir uma identidade verdadeiramente sólida e duradora, ancorá-la e suspender-lhe a deriva. (P. 38).
- [...] a própria pessoa fazer uma identidade, ter uma identidade solidamente fundamentada e resistente a interoscilações, tê-la “pela vida”, revela mais uma desvantagem do que uma qualidade para aquelas pessoas que não controlam suficientemente as circunstâncias do seu itinerário de vida [...] (P. 38).
- [...] isso, pode-se dizer, é um traço universal dos nossos tempos e, portanto, a angústia relacionada com os problemas da identidade e com a disposição para se preocupar com toda coisa “estranha” [...] é potencialmente universal. (P. 38).
- [...] quanto menos as pessoas controlem e possam controlar as suas vidas, bem como as fecundas identidades, mais verão as outras como viscosas e mais freneticamente tentarão desprender-se dos estranhos que elas experimentam como uma envolvente, sufocante, absorvente e informe substancia. (P. 40).
- Na cidade pós-moderna, os estranhos significam uma coisa aos olhos daqueles para quem a “área inútil” [...] significa “não vou entrar” e outras coisas aos olhos daqueles para quem “inútil” quer dizer “não posso sair”. (P. 40-41).
- Os estranhos são pessoas que você paga pelos sérvios que elas prestam e pelo direito de terminar com os serviços delas logo que já não tragam prazer. (P. 41).
- A viscosidade dos estranhos [...] é reflexo de sua própria falta de poder. É essa sua carência de poder que se cristaliza nos seus olhos como a terrível força dos estranhos. (P.42).
- As idéias, e as palavras que as transportam, mudam de significado quanto mais longe elas viajam. (P. 42).
A teoria da diferença, ou o sinuoso caminho para a humanidade partilhada
- A viscosidade dos estranhos e a política de exclusão originam-se da lógica da polarização [...] para a oprimida a que foram negados os recursos de construção da identidade e, assim [...] todos os instrumentos da cidadania. (P. 48).
- Não é meramente renda e riqueza, expectativa de vida e condições de vida, mas também – e talvez mais fundamentalmente – o direito à individualidade, que está sendo crescentemente polarizado. (P. 48).

CAP. V
ARRIVISTAS E PÁRIAS: OS HERÓIS DA MODERNIDADE

- Socialmente a modernidade trata de padrões, esperança e culpa. Padrões – que acenam, fascinam ou incitam [...] E sempre prometendo que o dia seguinte será melhor que o momento atual. E sempre mantendo a promessa viva [...] sempre mesclando a esperança de alcançar a terra prometida com a culpa de não caminhar suficientemente depressa [...] A culpa protege a esperança da frustração; a esperança cuida para que a culpa nunca estanque [...]. (P. 91).
- Psiquicamente, a modernidade trata da identidade [...] Como o restante dos padrões, a identidade permanece obstinadamente à frente: é preciso correr esbaforidamente para alcançá-la. (P. 91).
- Precipitar-se para a frente, em direção à identidade [...] assemelha-se a recuar da defeituosa e ilegítima realidade do presente. (P. 91).
- Verdadeiramente moderna não e a presteza em retardar o contentamento, mas a impossibilidade de ficar contente. (P. 91).
- “Hoje” é meramente uma incipiente premonição de amanhã [...] O que é é cancelado de antemão por o que virá. (P. 92).
- [...] a modernidade é a impossibilidade de permanecer fixo. Ser moderno significa está em movimento. Não se resolve necessariamente está em movimento, como não se resolver ser moderno. (P. 92).
- Nesse mundo, todos os habitantes são nômades, mas nômades que perambulam a fim de se fixar. (P. 92).
- [...] o auto-engano da existência que quer esquecer o seu passado nômade; mostra que a casa é somente um ponto de chegada, e uma chegada prenhe de uma nova partida. (P. 92).
- Onde quer que cheguem e desejem ardentemente permanecer, os nômades descobrem que são arrivista. Arrivista, alguém já no lugar, mas não inteiramente do lugar, um aspirante a residente sem permissão de residência. (p. 92).
- A permanência dos arrivistas deve ser declarada temporária, de modo que a permanecia de todos os outros possa parecer eterna. (P. 92-93).
- A única maneira porque podem fixar o tempo que se recusa a permanecer imóvel é marcar o espaço e proteger as marcas para que não sejam apagadas ou deslocadas. Pelo menos, tal é a sua desesperada esperança. (p. 93).
- A autonomia do homem transformou-se na tirania das possibilidades. (Hannah Arendt). (P. 93).
- Definições são inatas; identidades são constituídas. As definições informam a uma pessoa quem ela é, as identidades, atraem-na pelo que ela ainda não é, mas inda pode tornar-se. (P. 94).
- Eles perseguiam identidades porque, desde o principio, as definições lhes aviam sido negadas. (P. 94).
- A identidade significa recusar ser o que os outros querem que se seja (Max Frisch), é recusado à pessoa o direito de recusar. (P. 96).
- [...] a revolução moderna terminou em parricídio – poeticamente intuído por Freud, no seu desesperado esforço para discernir o mistério da cultura. Os mais brilhantes e mais fiéis filhos da modernidade não podiam expressar sua lealdade senão se tornando os seus coveiros. Quanto mais eles se dedicavam à construção do artifício que a modernidade se pôs a erigir, havendo primeiro destronado e legalmente incapacitado a natureza – mais solapavam o alicerce do prédio. [...] Seus filhos estavam geneticamente determinados a ser seus detratores e – em ultima análise – seu pelotão de demolição. (p. 98).
- Pode-se seguramente definir a modernidade como uma forma de vida marcada por tal desarticulação, como uma condição social sob a qual a cultura não pode servir à realidade senão minando-a. (p. 99).
- No sistema de castas hindu, o pária era um membro da casta mais baixa, ou de nenhuma casta. (P. 99).
- A modernidade proclamou que nenhuma ordem era intocável, visto que todas as ordens intocáveis deviam ser substituídas por uma ordem artificial, em que são construídos caminhos que levam da ordem mais baixa ao topo e, portanto, ninguém faz parte de um lugar eternamente. A modernidade foi assim a esperança do pária. Mas o pária podia deixar de ser pária somente ao se tornar [...] um arrivista. E o arrivista, por nunca haver apagado a mácula da sua origem, vivia sob a constante ameaça de deportação de volta à terra de que tentou escapar. (p. 99-100).
- nem por um momento o herói deixou de ser uma vítima potencial. Herói hoje, vítima amanhã – o muro divisório entre as duas situações era muito estreito. Estar em movimento significa não fazer parte de nenhum lugar. E não fazer parte de nenhum lugar significa não contar com a proteção de ninguém: de fato, a quintessência da existência do pária era não poder contar com a proteção de ninguém. Quanto mais depressa se corre, mais rápido se permanece no lugar. (P. 100).
- A viagem não proporcionou redenção ao arrivista. (P. 100).
- A sociedade “principalmente coordenada”, talvez racionalmente projetada e controlada, devia ser essa boa sociedade que a modernidade se pôs a construir. (p. 102).
- [...] o gosto moderno pela perfeição projetada condensou a, sob outros aspectos, difusa heterofobia e, repetidamente, canalizou-a, à maneira de Stalin ou de Hitler, em direção à saída genocida. (P. 103).
- [...] o principal conflito do cenário moderno surgiu da inerente ambivalência das pressões assimiladoras, que incitavam em direção a apagar as diferenças em nome de um padrão humano universal [...]. (P. 103).
- Não há certeza [...] de que no universo povoado por comunidades não restará nenhum espaço para o pária. O que parece mais plausível, contudo, é que a via de fuga do arrivista ao status de pária será fechada. (P. 103).

CAP. VI
TURISTAS E VAGABUNDOS: OS HERÓIS E AS VITIMAS DA PÓS-MODERNIDADE
- As teorias tendem a ser incipientes claros e bem talhados feitos para receber os conteúdos limosos e lamacentos da experiência. Mas para conservá-los aqui, suas paredes precisam ser duras; tendem também a ser opaca. É difícil ver os conteúdos da experiência através das paredes da teoria. Muitas vezes se tem de furar as paredes – “desconstruía-las”, “decompô-las” – para ver o que elas escondem. (P. 106).
- Em seu papel tradicional de purificadores e legisladores do senso comum, os filósofos deviam cortar e separar suas práticas das práticas do homem comum, de modo que pudessem ser colocadas umas contra as outras. Dessa operação, as práticas do não-filósofos emergiam, é claro, como não-filosóficas. (P. 108).
- [...] apenas sob certas condições [...] as coisas realmente se tornam evidentes. (É evidente para nós, por exemplo, que já os homens de Cro-Magnon e os de Neanderthais “deviam ter tido uma cultura”, mas só na segunda metade do século XVIII pode o conceito de cultura ser cunhado, e eles dificilmente seriam os homens de Cro-Magnon e os Neanderthais que foram, se estivesse conscientes de que tinham uma cultura.). (P. 109).
- [...] os homens e mulheres modernos viveram num tempo-espaço com estrutura, um tempo-espaço rijo, sólido e durável, mas também um duro recipiente em que os atos humanos podiam achar-se sensíveis e seguros. Nesse mundo estruturado, uma pessoa podia perder-se, mas também podia achar seu caminho. (P. 110).
- Sob tais circunstancias, a liberdade era de fato a necessidade conhecida. (P. 110).
- A estrutura estava em seu lugar antes de qualquer proeza humana começar, e durava o tempo suficiente, inabalável e inalterada, para levar a cabo a proeza. Ela antecedeu toda realização humana, mas também a realização possível [...]. (p. 111).
- O que pensamos que o passado tinha é o que sabemos que não temos. (P. 111).
- E o que sabemos que não temos é a facilidade de retirar a estrutura do mundo da ação dos seres humanos; a solidez firme, de pedra, do mundo exterior à flexibilidade da vontade humana. Não que o mundo se tenha tornado subitamente submisso e obediente ao desejo humano [...]. (P. 111-112).
- A ação humana não se torna menos frágil e errática: é o mundo em que ela tenta inscrever-se e pelo qual procura orientar-se que se torna mais assim. (P. 112).
- Como pode alguém investir numa realização de vida inteira, se hoje os valores são obrigados a se desvaloriza, e a manhã a se dilatar? (P. 112).
- O significado da identidade [...] se refere tanto a pessoas como coisas. O mundo construído de objetos duráveis foi substituído pelos produtos disponíveis projetados para imediata obsolescência. Num mundo como esse, as identidades podem ser adotadas e descartadas como uma troca de roupa. O horror da nova situação é que todo diligente trabalho de construção pode mostrar-se inútil. (P. 112).
- No jogo da vida dos homens e mulheres pós-modernos, as regras do jogo não param de mudar no curso da disputa. A estratégia sensível, portanto, é manter curto cada jogo [...]. (P. 113).
- [...] a determinação de viver um dia de cada vez, e de retratar a vida diária como uma sucessão de emergências menores, se tornaram os princípios normativos de toda estratégia de vida racional. (P. 113).
- Manter o jogo curto significa tomar cuidado com os compromissos a longo prazo. Recusar-se a se “fixar” de uma forma ou de outra. Não se prender a um lugar, por mais agradável que a escala presente possa parecer. (P. 113).
- [...] a dificuldade já não é descobrir, inventar [...] uma identidade, mas como impedi-la de ser demasiadamente firme e de aderir depressa demais ao corpo. (P. 113).
- O eixo da estratégia de vida pós-moderna não é fazer a identidade deter-se – mas evitar que se fixe. (P. 113).
- Os turistas se tornam viajantes e colocam os sonhos da nostalgia acima das realidades da casa [...]. (P. 117).
- Nem todos os viajantes estão em movimento por preferirem ficar em movimento a estar em seu lugar. [...] Se estão em movimento, é porque foram impelidos por traz – tendo sido, primeiramente, desenraizados por uma força demasiadamente poderosa, e muitas vezes demasiadamente misteriosa [...]. (P. 117).
- Para eles, estar livre significa não ter de viajar de um lado para o outro. [...] São esses os vagabundos, luas escuras que refletem o brilho de sóis brilhante, os mutantes da evolução pós-moderna [...]. Os vagabundos são o resto do mundo que se dedicaram aos serviços dos turistas. (P. 117).
- Os vagabundos, porem, sabem que se não ficarão por muito tempo, por mais intensamente que o desejem, uma vez que em lugar nenhum que parem são bem-vindos: se os turistas se movem porque acham o mundo irresistivelmente atrativo, os vagabundos se movem porque acham o mundo insuportavelmente inóspito. (P. 117-118).
- Os turistas viajam porque querem; os vagabundos, porque não têm nenhuma outra escolha. Os vagabundo, pode-se dizer, são turistas involuntários. (P. 118).
- [...] turistas e vagabundos são as metáforas da vida contemporânea. Uma pessoa pode ser um turista ou um vagabundo sem jamais viajar fisicamente para muito longe [...]. (P. 118).
- [...] em nossa sociedade pós-moderna, estamos todo [...] em movimento; nenhum de nós pode estar certo de que adquiriu o direito a algum lugar uma vez por todas, e ninguém acha que sua permanecia num lugar, para sempre, é uma perspectiva provável. (P. 118).
- [...] aqui termina o que há de comum na nossa situação e começam as diferenças. (P. 118).
- Quanto mais liberdade de escolha se tem, mais alta a posição alcançada na hierarquia social pós-moderna. (P. 118).


A Paz - momento espirita

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Dejalma Cremonese - Thomas Hobbes

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Thomas Hobbes And The Social Machine: Part 1

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Só o BEM prevalece - Momento Espírita

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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

FICHAMENTO DO CAP. VI DO LIVRO “O MAL-ESTAR DA PÓS-MODERNIDADE”


 
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Trad. Mauro Gama, Claudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1998.


TURISTAS E VAGABUNDOS: OS HERÓIS E AS VÍTIMAS DA PÓS-MODERNIDADE

- As teorias tendem a ser incipientes claros e bem talhados feitos para receber os conteúdos limosos e lamacentos da experiência. Mas para conservá-los aqui, suas paredes precisam ser duras; tendem também a ser opaca. É difícil ver os conteúdos da experiência através das paredes da teoria. Muitas vezes se tem de furar as paredes – “desconstrua-las”, “decompô-las” – para ver o que elas escondem. (P. 106).
- Em seu papel tradicional de purificadores e legisladores do senso comum, os filósofos deviam cortar e separar suas práticas das práticas do homem comum, de modo que pudessem ser colocadas umas contra as outras. Dessa operação, as práticas do não-filósofos emergiam, é claro, como não-filosóficas. (P. 108).
- [...] apenas sob certas condições [...] as coisas realmente se tornam evidentes. (É evidente para nós, por exemplo, que já os homens de Cro-Magnon e os de Neanderthais “deviam ter tido uma cultura”, mas só na segunda metade do século XVIII pode o conceito de cultura ser cunhado, e eles dificilmente seriam os homens de Cro-Magnon e os Neanderthais que foram, se estivesse conscientes de que tinham uma cultura.). (P. 109).
- [...] os homens e mulheres modernos viveram num tempo-espaço com estrutura, um tempo-espaço rijo, sólido e durável, mas também um duro recipiente em que os atos humanos podiam achar-se sensíveis e seguros. Nesse mundo estruturado, uma pessoa podia perder-se, mas também podia achar seu caminho. (P. 110).
- Sob tais circunstancias, a liberdade era de fato a necessidade conhecida. (P. 110).
- A estrutura estava em seu lugar antes de qualquer proeza humana começar, e durava o tempo suficiente, inabalável e inalterada, para levar a cabo a proeza. Ela antecedeu toda realização humana, mas também a realização possível [...]. (p. 111).
- O que pensamos que o passado tinha é o que sabemos que não temos. (P. 111).
- E o que sabemos que não temos é a facilidade de retirar a estrutura do mundo da ação dos seres humanos; a solidez firme, de pedra, do mundo exterior à flexibilidade da vontade humana. Não que o mundo se tenha tornado subitamente submisso e obediente ao desejo humano [...]. (P. 112).
- A ação humana não se torna menos frágil e errática: é o mundo em que ela tenta inscrever-se e pelo qual procura orientar-se que se torna mais assim. (P. 112).
- Como pode alguém investir numa realização de vida inteira, se hoje os valores são obrigados a se desvaloriza, e a manhã a se dilatar? (P. 112).
- O significado da identidade [...] se refere tanto a pessoas como coisas. O mundo construído de objetos duráveis foi substituído pelos produtos disponíveis projetados para imediata obsolescência. Num mundo como esse, as identidades podem ser adotadas e descartadas como uma troca de roupa. O horror da nova situação é que todo diligente trabalho de construção pode mostrar-se inútil. (P. 112).
- No jogo da vida dos homens e mulheres pós-modernos, as regras do jogo não param de mudar no curso da disputa. A estratégia sensível, portanto, é manter curto cada jogo [...]. (P. 113).
- [...] a determinação de viver um dia de cada vez, e de retratar a vida diária como uma sucessão de emergências menores, se tornaram os princípios normativos de toda estratégia de vida racional. (P. 113).
- Manter o jogo curto significa tomar cuidado com os compromissos a longo prazo. Recusar-se a se “fixar” de uma forma ou de outra. Não se prender a um lugar, por mais agradável que a escala presente possa parecer. (P. 113).
- [...] a dificuldade já não é descobrir, inventar [...] uma identidade, mas como impedi-la de ser demasiadamente firme e de aderir depressa demais ao corpo. (P. 113).
- O eixo da estratégia de vida pós-moderna não é fazer a identidade deter-se – mas evitar que se fixe. (P. 113).
- Os turistas se tornam viajantes e colocam os sonhos da nostalgia acima das realidades da casa [...]. (P. 117).
- Nem todos os viajantes estão em movimento por preferirem ficar em movimento a estar em seu lugar. [...] Se estão em movimento, é porque foram impelidos por traz – tendo sido, primeiramente, desenraizados por uma força demasiadamente poderosa, e muitas vezes demasiadamente misteriosa [...]. (P. 117).
- Para eles, estar livre significa não ter de viajar de um lado para o outro. [...] São esses os vagabundos, luas escuras que refletem o brilho de sóis brilhante, os mutantes da evolução pós-moderna [...]. Os vagabundos são o resto do mundo que se dedicaram aos serviços dos turistas. (P. 117).
- Os vagabundos, porem, sabem que se não ficarão por muito tempo, por mais intensamente que o desejem, uma vez que em lugar nenhum que parem são bem-vindos: se os turistas se movem porque acham o mundo irresistivelmente atrativo, os vagabundos se movem porque acham o mundo insuportavelmente inóspito. (P. 117-118).
- Os turistas viajam porque querem; os vagabundos, porque não têm nenhuma outra escolha. Os vagabundo, pode-se dizer, são turistas involuntários. (P. 118).
- [...] turistas e vagabundos são as metáforas da vida contemporânea. Uma pessoa pode ser um turista ou um vagabundo sem jamais viajar fisicamente para muito longe [...]. (P. 118).
- [...] em nossa sociedade pós-moderna, estamos todo [...] em movimento; nenhum de nós pode estar certo de que adquiriu o direito a algum lugar uma vez por todas, e ninguém acha que sua permanecia num lugar, para sempre, é uma perspectiva provável. (P. 118).
- [...] aqui termina o que há de comum na nossa situação e começam as diferenças. (P. 118).
- Quanto mais liberdade de escolha se tem, mais alta a posição alcançada na hierarquia social da pós-moderna. (P. 118).

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